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Quentin Smith (sem data)


Olá, Quentin. Como vai?
Quentin Smith: Sinto-me como se fosse liliputianamente pequeno e tivesse escolhido rastejar ao longo da borda afiada de uma espada, a única ponte sobre o fogo arcano, como minha trajetória do nascimento até a morte.
Por que é que você pinta além de escrever filosofia?
Quentin Smith: O processo começou quando eu tinha 16 anos. Passei pela experiência de me sentir chocado com o que me pareceu ser o nível de superficialidade com que as pessoas pareciam viver. Eu sentia que as pessoas ao meu redor não possuíam nenhum conhecimento real das, ou mesmo interesse nas, questões fundamentais sobre a realidade e o seu sentido (como, por exemplo, o silêncio do universo quando questionado sobre o propósito da vida, ou por que não há apenas o mais puro nada). Como consequência, tornei-me alienado da sociedade humana. Decidi devotar a minha vida a uma busca solitária por algum significado último, se realmente houvesse algum. A filosofia é a minha tentativa de colocar em conceitos o que acredito ser o sentido da vida humana e do universo. Eu tentei fazer isso com meu primeiro livro, «The Felt Meanings of the World: A Metaphysics of Feeling», sobre o qual comecei a pensar por volta dessa época.
Mas aos 17 comecei a tomar consciência de que eu sentia ou intuía algo acerca da realidade que não poderia ser descrito apenas verbalmente. Acreditei, então, que poderia expressar isto através da arte. As minhas pinturas são sobre o inconcebível, sobre o que não pode ser expresso por quaisquer palavras. Há algo sobre a realidade que experiencio diariamente mas que só pode ser expresso pela pintura.
Que tipo de coisas expressa nas suas pinturas que não consegue expressar na sua filosofia?
Quentin: Não sou capaz de colocar em palavras. Quando pinto, eu vou pintando até não ser mais capaz de conceitualizar ou verbalizar o que a pintura significa, mas sei em algum nível intuitivo visual ou emotivo o que ela significa.
As pessoas geralmente comentam que as suas pinturas, assim como os seus poemas, são niilistas e expressam desespero, isolamento e sofrimento de algum tipo. É isso o que você está a expressar?
Quentin: Talvez, em parte. Mas não é isso o que eu sinto que estou a expressar quando pinto e escrevo poesia. Nas minhas pinturas, tento capturar uma reflexão emocional da estranheza da realidade, uma realidade que está além da nossa descrição verbal. É como se eu imaginasse que há uma espécie de seres conscientes, seres que são mais inteligentes que os humanos na mesma proporção em que somos mais inteligentes do que os coelhos. Tento expressar o tipo de emoções que esses seres mais inteligentes experienciariam se percebessem a natureza da realidade que nos é inacessível. Tento transmitir um vislumbre desta natureza da realidade retratando o seu reflexo em emoções demasiado profundas para serem experienciadas por seres humanos. Mas para atingir um nível em que sinto tal vislumbre, tenho que me deixar afundar no mais profundo tipo de desespero, ansiedade ou alegria que é possível, pois apenas nestes níveis extremos se pode perceber o que pode ser uma realidade mais profunda do que aquela que normalmente experienciamos como aquela em que vivemos. Mas como esta é uma escolha deliberada, não se trata de uma alegria, uma ansiedade ou um desespero psicológicos que experiencio, mas metafísicos, sentimentos metafísicos que são sustentados por uma vontade psicológica e um desejo de compreender toda a experiência e a realidade. O que eu quero sentir não são sentimentos agradáveis ou felizes “que eu não poderia realmente sentir a menos que estivesse feliz ou infeliz”, mas sentimentos profundos. Antes, eu sentiria uma tristeza infinitamente mais profunda do que a alegria e o bom humor quotidianos que as pessoas “devem” exibir por uma questão de convenção social. Não obstante, sou bem humorado quando na companhia de outras pessoas; acontece apenas que geralmente fico sozinho. Assim, em certo sentido, eu escolho ser infeliz em vez de feliz a fim de viver com o máximo de profundidade possível.
Como é que isso se relacionaria com a sua pintura publicada na edição de Novembro de 2003 de Art In America, chamada “The Last Human, Broken (O último humano, quebrado)“? A maioria das pessoas responderia: “O pintor é um niilista ou tem levado uma vida muito infeliz”.
Quentin: Olhando para a pintura, pode parecer que estou a expressar a visão de que a totalidade da vida humana provou ser insatisfatória, e que isso deixou em pedaços um humano hipotético que a tenha percorrido, ou percorrido toda a história. Mas, da minha perspectiva, isso não é uma experiência negativa. Em vez disso, é uma maneira de se tornar livre da, ou transcendente à, ou infinitamente desconectado da, vida humana, de modo a ser capaz de olhá-la de fora, de uma esfera não-humana. Se este último humano hipotético está “quebrado”, então isso levanta as questões: o que é que deixaria uma pessoa em pedaços? Afinal, é um lugar comum que experiências positivas e negativas ambas fazem parte da vida, que algumas vidas são felizes e outras infelizes. Mas esta pintura não é sobre o facto relativamente superficial de que algumas pessoas vivem vidas infelizes ou passam por algumas experiências negativas. Em vez disso, trata-se do facto de que todo o espectro da vida e da experiência humana, incluindo tudo o que achamos bom e ruim, é por alguma razão tão insatisfatória que deixou ‘o último humano’ arrasado. Mas o que poderia isso possivelmente ser? Que tipo de crenças estaria este humano a ter ao sentir-se ‘quebrado’? Como deveriamos proceder ao repensar a natureza e o sentido da vida humana de modo a que o que ‘quebrou’ o último humano não estivesse lá? Se o último humano está ‘quebrado’ tanto pelos aspetos ‘bons’ e ‘maus’ da vida humana, não se pode dizer que a resposta seja "meramente remover os aspectos maus da vida humana, eliminar as guerras, fomes, doenças, relacionamentos fracassados, sofrimentos, injustiças e ignorância". Pois isto ainda deixa o que chamamos de "as partes boas" da vida humana.
Portanto, tudo considerado, há alguma outra coisa. Talvez ao olharmos para a vida de um verme ou de uma mariposa, podemos ver o que falta nas suas vidas. Mas imagine que haja um ser hipotético cuja inteligência supera a dos humanos na mesma medida em que a nossa supera a de vermes e mariposas. O que é que tal ser perceberia como ausente da vida humana?
Este ser hipotético veria um sentido para a vida que os humanos não são capazes de ver? Está a sugerir que existe um sentido para a vida humana, e a vida apenas aparenta ser sem sentido em virtude das limitações de nossas experiências e do nosso intelecto?
Quentin: Penso que Darwin descobriu o sentido da vida em 1859: o sentido da vida é sobreviver e reproduzir. A verdadeira questão é: por que é que existe este sentido da vida? Este sentido da vida possui algum significado, ou é apenas um facto bruto sem nenhuma importância ou significado adicional? E se tem algum sentido, qual é?
Outras pinturas podem expressar a emoção de um ser hipotético que sabe e experiencia alguma coisa que nós aparentemente não podemos, a resposta para a questão “Por que é que há afinal alguma coisa, em vez de apenas nada? Por que é que há coisas, espaço, tempo, em vez de absolutamente nada? Nenhuma substância, nenhum tempo, nenhum espaço, nenhuma mente, nem mesmo um vácuo espacial?” A resposta pode ser incompreensível e consequentemente a reação emocional à resposta seria uma emoção demasiado profunda e estranha, além da capacidade humana de sentir.
Percebi que você pintou em 1971, quando estava com 18 anos, e então parou até 2002, quando estava com 49. O mesmo com a sua poesia. Você escreveu poemas dos 16 (1969) aos 22 (primeiro semestre de 1974) anos e então parou quase completamente até 2002. Parece que houve alguma mudança interna significativa na sua vida.
Quentin: Sim, foi em 2002. Imagino que foi o facto de que minha idade cada vez mais avançada (entrei na casa dos 50 em Agosto de 2002) me tenha deixado muito próximo da extinção total de todos os meus projetos. Eu costumava pensar, digamos por volta dos 30 anos, que a minha vida e as minhas maiores realizações se encontravam no meu futuro. Mas fui despertando para o facto de que isso pode já não ser verdade. É possível, sobretudo se eu morrer inesperada e prematuramente nas minhas próximas duas décadas de vida, que as minhas maiores realizações estejam no meu passado e que o significado ou importância da minha vida resida no passado, e agora eu esteja apenas a esperar pela morte, distraindo-me com projetos de longo prazo na filosofia e na física. Estes seriam apenas distrações se eu fosse subitamente arrebatado pela morte, e os projetos deixados incompletos, e nada de valor tivesse sido alcançado. Mas com a poesia e as pinturas, é possível expressar rapidamente um sentimento resumido do significado, e por este meio pode driblar-se a morte, ao menos metaforicamente.
Embora eu gaste a maior parte do meu tempo em trabalhos teóricos, eu também gasto várias horas por semana a pintar e a escrever poemas.

“Deveríamos entender o significado da vida humana em termos de sentimentos – significados sentidos – e não em termos de raciocínio puro, que é o que Platão e Aristóteles e a maioria dos filósofos na tradição ocidental disseram.”

Porquê 2002? Você já não se sente desta maneira?
Quentin: Em 2003 eu comecei a desenvolver algumas ideias filosóficas mais originais e fundamentais do que nunca antes, e agora eu vejo um projeto de três décadas de desenvolvimento destas ideias estendendo-se diante de mim. Em 2002, eu via o futuro em termos de desenvolver as ideias com as quais eu já havia trabalhado nos anos anteriores, e qualquer pressentimento de que eu estava no caminho de descobrir alguma coisa desconcertantemente inédita estava ausente.
Parecia então que o sentimento de descobrir algo novo numa paisagem teórica inédita era algo que eu não mais experimentaria. Mas agora essa experiência está de volta, de modo que eu sinto como se estivesse apenas a começar a realmente pensar e encontrar indícios apontando para a verdade.
Esta mudança começou com a ideia de que não estou apenas a esperar pela morte, e a minha ênfase na minha morte iminente definhou. Percebi que não há mais razão agora para pensar que posso morrer em breve do que havia quando eu tinha 20 anos, já que as evidências relevantes, os resultados de exames clínicos e coisas afins, tem mostrado, de acordo com o meu médico, que não tenho nenhuma razão para pensar que morrerei nas próximas décadas, o que talvez venha a ocorrer após eu cruzar a casa dos 90, considerando-se o histórico de longevidade da minha família.
Parece que você foi sobretudo infeliz nas primeiras décadas da sua vida, quando se tornou um filósofo e começou a pintar e a escrever poemas. Lendo os seus poemas escritos por volta de 1970, é difícil evitar a impressão de que você mantinha uma visão sombria e desesperançada da vida.
Quentin: Eu preferia os primeiros anos da minha vida quando era desconhecido, anónimo, alienado e desrespeitado pela sociedade por não ser uma “pessoa normal e bem sucedida”. Mas você está certo ao dizer que eu achava o isolamento e o desespero um estado natural. Dos 17 aos 26 anos, não mantive nenhum contacto humano. Eu pensava que a raça humana vivia em ilusão, que não havia nenhum propósito obviamente aparente para a vida, e que somente trabalhando em isolamento poderia haver alguma esperança de descobrir algum sentido último para o mundo e a existência humana. Escolhi evitar os seres humanos, e geralmente saía do meu apartamento apenas uma noite por semana para comprar comida.
Mas isto é apenas parte da história. Havia também alguma outra coisa à espreita. Na mesma época eu tinha experiências intensas, positivas, quase místicas, da totalidade do universo, que aparecia como uma espécie de Um indeterminado. O Um não é uma ‘nova realidade’, como o Um de Plotino, mas apenas o universo aparecendo de uma certa maneira, aparecendo sem os limites ou distinções entre as suas diferentes partes. Este obscurecimento de todas as diferenças entre as partes do universo pode aparecer apenas num tipo de êxtase. A maior parte do tempo eu sentia-o ouvindo as sinfonias de Bruckner, sobretudo a sua sinfonia nº 4. Eu não estava apenas a ouvir; era mais como se a música me alçasse a um estado extático. Era como se a música de Bruckner me carregasse na crista de uma onda que se espalhava interminavelmente através de todo o universo. Mas eu descobri que isto acontecia apenas com a versão da sinfonia executada pela Orquestra Sinfónica de Chicago conduzida pelo maestro Daniel Bareinboim (não com a sua versão com a Filarmónica de Berlim). Assim, com a ajuda desta música, eu oscilava entre o êxtase e o desespero.
Mas há um paradoxo aqui com os poemas de desespero, já que eu gastava o meu tempo a escrever poesia ou filosofia, e eu sentia-me feliz se escrevia um poema de desespero que eu considerava um bom poema. Excluí a satisfação positiva e o significado da minha vida pessoal, destes poemas, ao escrever. Porquê? Poesia é uma questão de autoexpressão completa, e eu sentia uma necessidade de me expressar quando me sentia sombrio e desesperado, e eu descobria uma necessidade de expressar esse desespero em outras ocasiões em que não estava desesperado. Mas percebi que à medida em que ficava mais velho, os poemas foram-se tornando mais positivos. Por exemplo, os meus poemas de 1974, como “Night” e “Mysterium Tremendum“, expressam uma atitude muito profunda e positiva de admiração e reverência pelo universo. E a maioria dos poemas que escrevo agora não são desesperadores, mas sobre tentativas de experienciar o significado. Penso que no começo da década de 1970, eu pensava que a vida era em grande parte sem sentido e desesperançada, mas por volta de 1974 o meu desespero foi mudando para um sentimento de assombro e reverência para com o universo. Mas aqui, mais uma vez, há um alerta. Eu também registei os êxtases que senti em relação ao universo nos começos da década de 1970, por exemplo, nos poemas ”At One with the Night“, “The Last Hour“, “Enchanted Night“, “Reconfirmation“, “Awestruck“, “Transfigured in my Backyard“, “There In Nowhere” e, acima de todos, “Walking Home From A Movie“, que melhor captura o que a Quarta Sinfonia de Bruckner evocava em mim, embora neste poema eu tenha tido a experiência sem ouvir nada. Eu caminhava de volta para casa após uma exibição do filme do diretor sueco Ingmar Bergman “Persona”, e estava tão avassalado pelo filme que não me consegui mexer por duas horas; apenas me sentei no passeio em frente ao cinema. E então fui para casa e senti uma espécie de êxtase. “Persona”, ainda penso, é o melhor e mais profundo filme jamais feito. É puro niilismo, e isto evocou a resposta em mim, após o filme, de que isto não é toda a verdade, e isso acarretou o êxtase, descrito em “Walking Home From A Movie“, escrito assim que cheguei em casa.
E sobre a sua infância? O que aconteceu de significativo na sua infância?
Quentin: Nada, realmente. Mas alguns incidentes podem ser de algum interesse. O meu pai, que era professor de psicologia no Bennington College, escreveu um manuscrito do tamanho de um livro constituído pelas suas descrições e teorias psicanalíticas da minha personalidade desde o meu nascimento até eu atingir os 10 anos ou um pouco mais. Ele usava estes manuscritos como livro-texto nos seus cursos de psicologia, e os alunos eram solicitados a desenvolver as suas próprias análises de mim baseadas no manuscrito.
Uma das suas previsões foi que eu me tornaria filósofo. Esta previsão foi baseada na observação de mim aos dois anos de idade, sentado imóvel diante de uma janela por três dias seguidos, a olhar para a casa do vizinho. Ele perguntou-me o que eu estava a fazer e eu respondi: “Esperando a casa do Harry desabar”.
Após fazer mais algumas perguntas, ele descobriu que eu tinha esta expetativa bastante notável porque três dias antes eu tinha visto uma telha a cair do telhado do nosso vizinho.
Há mais alguma coisa que gostaria de contar sobre a sua infância?
Quentin: Deixe-me ver. Algumas pessoas acham interessante o facto de eu ter sido chicoteado diariamente por um ano, quando estava com sete anos de idade. Mas não pelos meus pais; pela minha escola. Quando eu tinha sete anos, recebia chicotadas na minha mão esquerda todas as manhãs, já que (não sendo cristão), eu me recusava a rezar o Pai Nosso no começo das aulas. O chicote chamava-se “tira” de couro, e a mão esquerda era chicoteada porque o castigo deixava a mão paralisada, e quem era destro precisava de sua mão direita para fazer as lições durante o dia. A minha mão esquerda ficava paralisada cerca de cinco horas após o castigo, todos os dias.
Isso soa traumatizante.
Quentin: Não, não foi. Eu achava normal e não pensava que havia ali qualquer coisa de especial ou digno de menção. Parecia normal já que os meus pais esperavam que eu vivesse de acordo com os meus ideais individualistas em vez de pelo critério da conformidade irrefletida a seja lá qual for a cultura em que alguém tenha nascido. Eles não falavam muito sobre eu estar a ser castigado; eles tinham a mesma atitude que eu. Era como se eu estivesse a viver pelo truísmo de que o mundo não é um lugar perfeito e portanto não se deveria esperar que a sociedade fosse completamente justa em todas as épocas e lugares.
Você falou sobre as suas pinturas e os seus poemas. Quando se tornou um filósofo? E como surgiu a decisão de se tornar um filósofo?
Quentin: Isso aconteceu quando eu tinha dezasseis anos. Eu já tinha começado a escrever poemas, mas não por via de qualquer contacto com a alta cultura, à qual eu nunca tinha sido exposto. Em vez disso, os meus escritos poéticos eram inspirados pelas letras poéticas de canções de rock! Isso foi no final da década de 1960, e tudo o que eu sabia era que eu achava que alguma coisa estava errada com a sociedade humana. Parecia que a solução era virar hippie, o que eu fiz. Morei numa comuna hippie em Vermont por um verão. Mas acordei deste sonho bem rápido. Aconteceu quando li "O Lobo das Estepes", de Herman Hesse, por sugestão de alguém. Esse livro mudou a minha vida. "O Lobo das Estepes", principalmente da forma como é descrito no começo do livro, parecia ser como eu (Hesse tinha Nietzsche em mente). A minha auto-identidade subitamente mudou da de um hippie para a de um membro da classe de criadores históricos, artistas, filósofos e cientistas. Esta já era a minha situação quando li a segunda maior influência sobre o meu pensamento, "A Vontade de Poder", de Nietzsche. Em certo sentido, comecei como um discípulo de Nietzsche, pois lembro-me de que meu primeiro rascunho de um livro (comecei a escrever um livro de filosofia assim que terminei de ler O Lobo das Estepes) seguia a linha de que o sentido da vida era o aumento do poder, e eu identifiquei o poder com diferentes graus de felicidade. A esta altura já era possível discernir a preocupação com sentimentos ou significados percebidos.
Fale-me sobre a sua carreira como professor.
Quentin: Não penso que filósofos tenham carreiras. De executivos ou banqueiros pode-se dizer apropriadamente que têm carreiras, mas devotar a própria vida à busca das verdades básicas não pode ser considerado uma carreira. Eu experiencio a atividade filosófica sendo a mesma coisa que estar vivo. Por exemplo, eu não entendo a distinção entre “trabalho” e “lazer”, ou o conceito de “férias”. Como alguém pode tirar férias da atividade de refletir qual é o sentido da existência humana, ou se realmente há algum sentido? E como a atividade filosófica pode ser classificada como “horas de trabalho”? Até onde vejo, as horas em que se filosofa não são as “horas de trabalho” mas antes deveriam ser vistas como as horas de vigília, em oposição às horas de sono. Outros podem chamá-las de “trabalho”, mas eu chamar-lhes-ia de “fazer o que é natural para qualquer ser consciente”, tentar decifrar tudo.
Entretanto, pareceu-me, quando comecei a lecionar como professor assistente em 1978 que vários professores de filosofia viam a filosofia meramente como uma carreira, semelhante a qualquer outra carreira. O significado convencional implícito da carreira era definido em termos de buscar status social, galgar uma posição respeitável na comunidade, como se mudar-se de uma universidade para outra supostamente mais prestigiosa fosse como ser promovido do cargo de vice-presidente junior de um banco ao cargo de vice-presidente sénior, ganhando um escritório maior num andar mais elevado do prédio, uma casa maior e um carro mais luxuoso e viver numa vizinhança de maior poder aquisitivo. “Progride-se na carreira” bajulando os que têm o poder de o fazer progredir. A filosofia parecia ser entendida tacitamente por muitos como um meio de obter a aprovação dos pares e das mais prestigiosas autoridades da área e esta atitude parecia influenciar em larga escala aquilo sobre o que os professores filosofavam. Mas parecia-me que os valores “carreiristas” de vários professores não eram um caso de “tudo ou nada”, mas tendiam a variar em grau e a estarem mesclados em vários graus com o desejo desinteressado pelo conhecimento.
Isto influenciou a sua decisão de renunciar ao seu cargo com possibilidades de ascensão de professor assistente quando tinha apenas 27 anos?
Quentin: Não. Já me era claro no final da minha adolescência que havia uma distinção nítida entre ser um professor de filosofia e ser um filósofo, portanto este facto não foi relevante. Eu já sabia disso antes de me tornar professor. Renunciei ao meu cargo de professor assistente de filosofia na Universidade de Kentucky em 1980 por uma razão diferente. Renunciei, como a minha carta de demissão dizia, "a fim de fazer filosofia". Eu tinha o que considerava uma carga de trabalho pesada, dois cursos num semestre e três cursos no semestre seguinte. E isso deixava-me apenas três meses no Verão como tempo para escrever. Mas sem nenhuma ideia de como me manter financeiramente, demiti-me e comecei a escrever a tempo integral.
Qual foi o seu plano para obter abrigo e alimentação?
Quentin: Eu estava a planear mudar-me para a Flórida, escrever filosofia numa biblioteca enquanto estivesse aberta, dormir do lado de fora nas noites de Verão e, com alguma sorte, obter alimento em alguma instituição de caridade ou algo assim.
Como é que sobreviveu até agora?
Quentin: Fui afortunado o suficiente para receber alguns Rockefeller Awards, subsídios da National Endowment of the Humanities, e um subsídio do American Council of Learned Societies. Por um breve período morei nas regiões mais pobres de algumas cidades. Viver em cortiços não foi uma experiência das mais agradáveis, sobretudo porque ser roubado e usado como alvo tendia a tirar a minha concentração da teoria em que estava a trabalhar. Lembro-me que quando vivia em Louisville, eu era usado como alvo pelas crianças da vizinhança todas as vezes que elas me viam pela janela do meu apartamento. Consequentemente, tinha que rastejar no chão para me mover pelo meu minúsculo domicílio. Lembro-me que certa vez cometi o erro de ficar visível por muito tempo, e senti uma bala a passar pelo meu cabelo e a vi cravada na parede oposta. Perdi temporariamente a minha linha de raciocínio, mas fui capaz de recuperá-la cinco minutos depois.
Como e por que é que voltou para a Academia?
Quentin: Em 1991 eu recebi uma cátedra comissionada no Antioch College, a Lillian Pierson Lovelace Visiting Professor (uma cátedra comissionada com duração de três anos) que foi ideal pois negociei tempo para investigação e tinha que ministrar apenas dois cursos por ano. Mas eu estava tão acostumado a ser pobre nos últimos dez anos que lhes devolvi todo o meu salário exceto por US$ 7000. Não me pareceu nada peculiar na época, mas disseram-me mais tarde que me tornei no falatório do campus. As pessoas pensaram que eu era excêntrico, mas até onde posso dizer, são as outras pessoas que viviam excentricamente, e apenas eu vivia uma vida normal.
E como veio para a Western Michigan University?
Quentin: A minha cátedra comissionada na Antioch College terminou, e como não queria que ela expirasse, eu precisava de um emprego. Surpreendentemente, recebi diversas ofertas de emprego das assim chamadas “universidades de primeira categoria”, provavelmente porque àquela altura eu havia publicado coisas, em quantidade e qualidade, que despertou o interesse dos filósofos. Mas também recebi o que eu e também os demais filósofos profissionais consideram um cargo ideal, orientado para a pesquisa, na Western Michigan University. Eu deveria ministrar um curso por semestre (dois cursos por ano) e gastar o resto do meu tempo em investigação. Mas as principais universidades de investigação possuíam cargas letivas de dois cursos por semestre e este facto intratável facilitou a minha decisão de ir para a Western Michigan University. Eu também gosto dos administradores e da Faculdade de Filosofia daqui, de modo que também posso me considerar sortudo neste aspecto. Na verdade, senti de imediato que nessa faculdade não há a distinção entre “ser um filósofo” e “ser um professor de filosofia motivado pela carreira” que em geral senti 15 anos antes quando comecei a lecionar. A faculdade era constituída por professores de filosofia que eram filósofos genuínos. Este respeito fundamental por eles, assim como pelas suas habilidades patentes como filósofos, permitiu que eu “me sentisse em casa” no departamento, em vez de alienado dele. Eu também identifiquei desde o começo uma maturidade moral e uma harmonia que não está sempre presente em alguns outros departamentos de filosofia.
Outro factor que influenciou o meu julgamento deste Departamento de Filosofia foram os talentos filosóficos individuais e as realizações das outras faculdades. Algumas das faculdades daqui são bem menos conhecidas do que as das “mais prestigiosas” universidades de investigação, mas o corpo docente das faculdades é pelo menos tão qualificado e erudito quanto. Quando visito as mais prestigiosas universidades de investigação para dar palestras, descubro que os seus melhores filósofos não ultrapassam em inteligência ou erudição o corpo docente da Western Michigan University. Talvez seja por isso que a Western Michigan University figure entre os 10 mais bem colocados programas de mestrado do país; a maioria dos nossos mestrandos seguem para os mais bem avaliados programas de doutoramento, de modo que trabalhar com eles é como trabalhar com os melhores estudantes pré-dissertação dos melhores programas de doutoramento das universidades de investigação. Quando dou aulas, sinto-me basicamente ao mesmo nível que os estudantes de pós-graduação, e não como algum tipo de autoridade; aprendo tanto com eles quanto eles aprendem de mim. E em mais de uma ocasião eles refutaram alguns dos meus argumentos e teorias. É para estudantes desse nível que gosto de dar aulas.
Esta sensação de “estar em casa” na Western Michigan University parece ser uma mudança fundamental na sua atitude para com a profissão filosófica e, principalmente, para com a sociedade em geral.
Quentin: Eu mudei, provavelmente durante a minha terceira década de vida. Comecei a ver a irracionalidade da alienação. Comecei com o pensamento básico, “eu não me sinto alienado dos outros animais, que são mais diferentes de mim do que outros humanos, então por que é que eu deveria me sentir alienado da espécie humana?”. Mas esta mudança foi mais num nível psicológico do que um resultado de uma cadeia de raciocínio. Agora, em vez de me sentir alienado das outras pessoas, eu sinto uma espécie de empatia instintiva pelas pessoas. Eu não sei o quão incomum isso pode ser, mas eu não consigo deixar de gostar de todos com que venho a ter contacto ou a conhecer de alguma maneira ou de outra. A experiência fenomenológica diz que cada pessoa tem a característica de ”ser amável”.
Isto é verdade até mesmo para os meus assim chamados “adversários” filosóficos. Três dos meus principais adversários teóricos na literatura filosófica são L. Nathan Oaklander, William Lane Craig e William F. Vallicella. Outros filósofos, lendo o estilo “crítico” dos artigos que escrevemos sobre cada um dos outros, assumem que nós nos “odiamos”. Na verdade, estas três pessoas são três dos meus mais íntimos amigos. Nunca passou pelas nossas mentes que não deveríamos estimar e respeitar cada um dos outros apenas porque temos concepções diferentes sobre certos tópicos filosóficos. A nossa atitude era a de que as nossas críticas mútuas seriam reciprocamente úteis ao estimular reflexões adicionais sobre um tópico do interesse de ambos. Alguns filósofos que eu critico levam a coisa para o lado pessoal e, aparentemente (assim ouvi dizer), como consequência não gostam particularmente de mim. Os filósofos de Princeton, Scott Soames e Saul Kripke (aposentado) expressaram publicamente os seus sentimentos pessoais negativos em relação a mim. Mas isso nunca me impediu de os estimar e de os respeitar, apesar do “tom crítico” envolvido em discutir ou avaliar negativamente as suas visões filosóficas ou o seu lugar na história da filosofia. A filosofia, ao contrário da ciência, não é um empreendimento coletivo em que há concordância sobre os fundamentos; em vez disso, a filosofia é o campo do pensamento em que os fundamentos estão em disputa, e portanto o debate e as críticas mútuas são o caminho natural para tentar estabelecer quais visões são as mais bem justificadas. Nunca fui capaz de compreender por que é que um filósofo gostaria apenas dos que concordam com ele e detestaria aqueles dos quais discorda. Por que é que um filósofo deveria levar “para o lado pessoal” algo que não é efetivamente “pessoal”, mas uma tentativa de fazer progredir o conhecimento filosófico?
Poderia discorrer de forma um pouco mais elaborada sobre esta mudança em sua atitude geral?
Quentin: Não conheço nenhuma pessoa de quem eu não goste. A atitude de alienação universal que eu sentia na minha adolescência e juventude converteu-se no seu oposto. Esta mudança é mais de natureza psicológica ou instintiva do que o resultado de qualquer mudança nas minhas concepções filosóficas. Mas parece-me absurdo que possa haver uma razão para não gostar de alguém. Existe uma distinção clara entre gostar de uma pessoa e concordar com ou discordar do que ela acredita ou faz. O mesmo se aplica a tudo o resto. Acho animais, plantas e objetos inanimados estimáveis, mesmo que eu possa não estar “de acordo” com uma serpente que queira morder-me. Se esta atitude pode ser filosoficamente justificada ou não, não sei. Estou apenas a relatar como eu experiencio as coisas atualmente.
Isto também envolve reavaliar a minha atitude anterior em relação a pessoas com carreiras, como os executivos e os banqueiros. Quando conversamos com eles, descobrimos que um senso de propósito grandioso é o principal fator de motivação nas suas vidas. Por exemplo, certa vez conversei com o vice-presidente do Citibank (não foi muito difícil agendar um horário com ele, já que aconteceu ele ser meu irmão mais velho!) e era óbvio que ele via que o propósito da sua vida era melhorar a condição humana melhorando a sua condição económica. Descobre-se que este modo de experienciar a vida está presente em praticamente todas as pessoas, embora ele varie em grau de pessoa para pessoa.
Pode parecer paradoxal eu gastar a maior parte de meu tempo sozinho, se tenho esta atitude positiva para com os outros. Mas não é realmente paradoxal. Acontece apenas que tenho um estranho desejo de fazer algo mais além de socializar, isto é, produzir novas teorias filosóficas e obras de arte.
O seu motivo para escrever filosofia ainda é o mesmo de quando tinha vinte anos?
Quentin: Não. Eu agora percebo que a filosofia de alguém não pode “mudar o mundo”, o que eu estava decidido a fazer aos 16 anos, quando comecei a escrever "The Felt Meanings of the World". Em vez disso, o livro apenas estimulou a pensar aqueles que já tinham uma visão filosófica de mundo desenvolvida. E como eu admiro a originalidade de pensamento, e desencorajo as pessoas de se tornarem meus “discípulos”, por assim dizer, eu não quero que ninguém adote a minha visão filosófica do mundo como a sua própria. Em vez disso, eles deveriam adotar a sua própria visão do mundo, talvez com o estímulo das minhas publicações sendo útil neste processo.
Observei que atualmente, além de escritor, também é um editor.
Quentin: Sim. Os meus dois principais cargos editoriais são o de editor do Philo: A Journal of Philosophy, e o de editor de filosofia na Prometheus Books. Aceitei os cargos em parte porque concordo com a visão do mundo que o Philo e a Prometheus Books representam. E também pensei: todos reclamam sempre que a maioria dos artigos publicados em periódicos não são muito bons. Eu senti, bem, que neste caso há uma obrigação de fazer algo a respeito disso. Torne-se um editor se puder, e pare de recusar solicitações para avaliar artigos. O mesmo vale para livros. As pessoas reclamam que vários livros de filosofia publicados não são muito bons. Eu pergunto: quantos pedidos para avaliar e resenhar um manuscrito você recusou? Penso que o maior problema é que os filósofos mais talentosos e prolíficos acreditam que não têm tempo para avaliar obras alheias, e assim esta tarefa automaticamente recai sobre os ombros de filósofos menos talentosos ou preparados. Eu diria, portanto, que a baixa qualidade é principalmente culpa dos filósofos mais talentosos e experientes que se recusam a avaliar artigos e manuscritos de livros.
Há uma opinião amplamente disseminada sobre o seu trabalho filosófico, segundo a qual você começou como fenomenólogo e então tornou-se um filósofo analítico e filósofo da física. Isto está correto?
Quentin: Eu não aceito o facto de que há uma diferença entre a filosofia analítica e a fenomenológica (ou filosofia continental em geral). E a minha filosofia não é nem fenomenológica nem analítica, embora eu possa ver a razão pela qual (usando as categorias da filosofia contemporânea) os filósofos chamariam a algumas das minhas obras de “fenomenológicas” e outras de “analíticas”. As minhas principais influências no final da adolescência e começo da vida adulta foram os fenomenologistas e existencialistas. Eu estudei "o Ser e Tempo" de Heidegger, "O Ser e o Nada" de Sartre, a Filosofia de Jaspers, vários livros de Max Scheler, e as "Investigações Lógicas" de Husserl. Fui influenciado sobretudo por Heidegger, embora preferisse a metodologia mais precisa e o entendimento da consciência apresentado por Husserl, Sartre e Max Scheler. Heidegger permaneceu a principal influência no meu pensamento até por volta de meus trinta anos, quando também passei a ser influenciado pelo filósofos analíticos. A mudança ocorreu quando li pela primeira vez "The Principles of Mathematics" de Russell, e ali encontrei o tipo de precisão de pensamento pela qual procurava naquela altura de meu desenvolvimento filosófico. O meu primeiro livro categorizado como “analítico” foi o "Language and Time" (finalizado em 1990 mas só publicado, devido aos atrasos usuais, em 1993). Eu comecei a escrevê-lo em 1983, assim que terminei "The Felt Meanings of the World". As duas principais influências foram "The Language of Time" de Richard Gale e "The Nature of Necessity" de Alvin Plantinga.
Mas quando li "The Kalam Cosmological Argument" de William Lane Craig, fiquei tão excitado com o livro (antes de Craig, nenhum filósofo escrevera um livro sobre as implicações do Big Bang que começou o nosso universo) que eu o li sem parar da primeira à última página, atravessando a noite acordado. Pensei que poderia passar o resto da minha vida a escrever sobre esse livro, e isso acabou por se tornar parcialmente verdadeiro; algumas das minhas réplicas a Craig, e as suas réplicas a mim, foram publicadas em livro em 1993, "Theism, Atheism and Big Bang Cosmology". Apesar do facto de que a minha matemática tornou o livro ininteligível para filósofos, e a densa tecnicalidade da filosofia o tenha tornado ininteligível para os físicos, esse veio a ser meu livro mais vendido.
Tornei-me interessado em física, particularmente na cosmologia do Big Bang e na cosmologia quântica, no começo da década de 1980, após encontrar acidentalmente um recorte de jornal que dizia “físicos descobriram que o universo foi criado do nada”. Fiquei desorientado pelo título, mas lendo os artigos originais nos periódicos de física, percebi que os físicos estavam a desenvolver teorias explicando porque o nosso universo começou a existir. Isto motivou-me a aprender a matemática e a física necessárias para compreender as novas teorias, e comecei a publicar nesta área em 1985.
Como caracterizaria o sentido e as influências sobre sua poesia?
Quentin: Eu teria que escrever um poema para lhe poder verbalizar isso. Mas seria consistente rotular a minha poesia como parte do que é normalmente chamado “Poesia Americana Contemporânea”. Eu não fui influenciado por ela; não acho que comecei a lê-la antes de já ter escrito boa parte de meus poemas dos primeiros anos da década de 1970 (gostava de Kinnell e Roethke acima de todos). Mas os meus poemas diferem dos da maioria dos outros poetas contemporâneos americanos em dois aspetos. Primeiro, tento e escrevo sobre o sentido último ou a falta de sentido da vida em cada poema, ao passo que os outros poetas escrevem poemas sobre o lado mais superficial, convencional, da vida. Após conhecer diversos destes poetas no começo dos anos 70, eu senti que a razão para esta diferença era que eles eram pessoas ordinárias, convencionais, superficiais. Naturalmente, isto exacerbou ainda mais a minha desilusão com a humanidade.
A minha atitude na ocasião era que eles não seriam capazes de entender os meus poemas, já que os poemas eram de uma profundidade que eles nunca tinham experienciado. Terei que esperar para ver a reação à publicação de uma coletânea dos meus poemas mais recentes para ver se ainda tenho a mesma atitude.
Recordo que quando tinha entre 17 e 18 anos os professores de literatura tentaram sem sucesso fazer-me escrever poemas mais superficiais. Talvez isto corresponda às minhas reais influências, T. S. Eliot, W. B. Yeats, Rainer Rilke, Friedrich Hölderlin e Georg Trakl, todos os quais escreveram sobre apenas um tema: seria a vida dotada de sentido e, em caso afirmativo, qual é esse sentido e como deveríamos viver? E se a vida de facto tem um sentido, como o alcançamos através do tipo de experiências descritas nos poemas? Acho que, entre os poetas americanos, apenas Roethke e Kinnell daquela época alcançaram este nível de intensidade de experiência da vida ao escrever.
Quais dos seus poemas você prefere?
Quentin: Bem, primeiro deixe-me dizer o que penso da relação entre filosofia, poesia e pintura. A poesia captura um aspecto da realidade que não pode ser apreendido pela filosofia. Mas a pintura captura um aspecto da realidade que não pode ser capturado pela poesia, já que se trata de um aspeto mudo da realidade que pode ser percebido mas não descrito verbalmente ou poeticamente. Não estou a dizer que exista alguma realidade sobrenatural que não seja capturada pelas ciências e pela filosofia. Em vez disso, digo que a poesia e a pintura capturam certas modalidades fenoménicas das realidades descobertas pelas ciências e pela filosofia, modos de aparecimento que não podem ser expressos na ciência e na filosofia. Portanto, não sou nenhum místico. Muito pelo contrário, apenas desfruto a realidade de perspectivas múltiplas (esta teoria é a base de meu livro "The Felt Meanings of the World").
Agora, a sua pergunta sobre quais dos meus poemas eu mais gosto. Gosto sobretudo do poema que expressa com a máxima beleza estética a minha mais profunda atitude para com a vida. Esse poema é “Night“, escrito em 1974.
Qual é a sua obra filosófica favorita?
Quentin: Entre as minhas próprias obras, você quer dizer? Seria "The Felt Meanings of the World". Agora penso que a maioria das pessoas não vive num nível existencial suficientemente profundo para o entender ou conectar-se emocionalmente com ele. Acho que isso sugere que enquanto o escrevia eu tinha uma visão excessivamente otimista da humanidade. Ou que pelo menos eu presumi equivocadamente que as suas experiências de vida eram mais similares à minha do que de facto eram.
A minha atitude para com a morte mudou completamente ao terminar este livro. Antes de terminá-lo aos 30 anos, no começo do verão de 1983, eu tinha medo de morrer antes que pudesse terminar o livro. Eu pensava que esse livro era uma contribuição crucial que eu poderia fazer para a humanidade. Mas assim que o terminei, parei de me preocupar se vivia ou morria. Não fazia qualquer diferença para mim se eu acordaria na manhã seguinte ou morreria durante a noite. Eu tinha cumprido o que concebia, desde os meus 16 anos, como a tarefa da minha vida. Mas eventualmente, à medida em que novas ideias começavam a formar-se na minha mente, senti que havia algo mais que gostaria de descobrir e comunicar, e então comecei a preocupar-me mais com a possibilidade de estar vivo ou morto no dia seguinte.
Perguntou qual é o meu livro de filosofia favorito. Acho que isso também pode significar qual é o meu livro de filosofia favorito de outro autor. Em termos de personagens históricos, eu simpatizaria sobretudo com algum tipo de combinação entre Demócrito, Espinoza, Hume e Schopenhauer. E em relação à filosofia contemporânea? Eu diria que se eu não tivesse uma visão de mundo própria e tivesse que adotar a de alguém, eu adotaria a que John Post apresenta no seu livro "The Faces of Existence". Talvez este livro seja concetualmente sofisticado e profundo em demasia para angariar uma grande popularidade, o que pode explicar porque ele não é muito discutido na literatura. Mas este pode ser o melhor livro de filosofia escrito no século XX.
O que significa a resposta que deu para a primeira pergunta que lhe fiz?
Quentin: O fogo é o mistério da natureza da realidade e se a existência humana tem ou não algum sentido último. A única maneira de viver e estudar estas questões é rastejar ao longo de uma dolorosa consciência de não saber a resposta, e saber que a qualquer momento se pode morrer ao cair da lâmina rumo ao fogo.

Entrevista editada para português europeu (fonte)