escritores filósofos lusófonos historiadores mulheres músicos sociólogos antropólogos realizadores professores psicólogos poetas jornalistas pintores actores John Lennon críticos teólogos Agostinho da Silva Ayn Rand Christopher Hitchens David Lynch Edgar Morin Federico Fellini Fernando Savater Frank Zappa George Steiner Hans Kung Jared Diamond Kurt Vonnegut Lévi-Strauss Raymond Aron Simone de Beauvoir Steven Pinker Woody Allen arqueólogos astrónomos biólogos economistas editores geógrafos Al Worden Alain Corbin Alain de Botton Alberto Manguel Aldous Huxley Alexandre O’Neill Almada Negreiros Amartya Sen Amos Oz Anselmo Borges Anthony Giddens Antonio Tabucchi Atom Egoyan Bart Ehrman Bob Marley Bruno Latour Carl Gustav Jung Carl Sagan Carlos Drummond de Andrade Clarice Lispector Cláudio Torres Colin Renfrew Companhia da Palavra Daniel Dennett Darcy Ribeiro Dave Gibbons David Landes David Niven Debbie Harry Eduardo Galeano Eduardo Lourenço Elis Regina Emil Cioran Erich Fromm Evelyn Waugh Fernando Lopes Francis Bacon Francis Fukuyama François Colbert François Furet Geoffrey Miller Georg Lukács Gilles Deleuze Gilles Lipovetsky Gonçalo M. Tavares Gunter Grass Hannah Arendt Harold Bloom Henry Rousso Ian Buruma Irene Pimentel Isaac Asimov J. G. Ballard J. R. Searle Jacques Barzun Jacques Derrida Jacques Le Goff James Gandolfini James Hillman Jaron Lanier Jean Genet Jean-Paul Sartre John Gray John Keegan Joni Mitchell Jorge Amado Jorge Lima Barreto Jorge Luis Borges Joseph Campbell José Gil José Mattoso João Bénard da Costa Júlio Resende Jürgen Habermas Kwame Anthony Appiah Laurence Olivier Laurie Anderson Lawrence Grossberg Lester Brown Lindley Cintra Luc Ferry Luiz Pacheco Manuel António Pina Manuel Hermínio Monteiro Marc Augé Margaret Atwood Marguerite Duras Maria Filomena Mónica Maria José Morgado Mario Vargas Llosa Marlon Brando Marshall McLuhan Marshall Sahlins Martin Heidegger Martin Rees Michael Schudson Michel Serres Milan Kundera Monteiro Lobato Muhammad Ali Orson Welles Paul McCartney Paul Ricoeur Peter Singer Philip Roth Pier Paolo Pasolini Quentin Smith Ray Bradbury Raymond Chandler Renato Russo René Pélissier Richard Feynman Robertson Davies Roger Chartier Ronald L. Numbers Rui Bebiano Ruth Levitas Saldanha Sanches Salvador Dali Sam Peckinpah Sebastião Salgado Sherry Ortner Stanley Kubrick Theodor Adorno Tom Holland Tony Judt Truman Capote Vinícius de Moraes Vitorino Magalhães Godinho Vladimir Nabokov Vítor Silva Tavares Warren Buffett William Gibson Zygmunt Bauman ambientalistas astronautas desportistas empresários fotógrafos físicos informáticos jornalismo juristas marketing politólogos políticos

Páginas

Eduardo Lourenço (2008)

ELourenco

Marshall Sahlins (2006)

EXCHANGE/ETNOGRÁFICA  — Noutro lugar você disse que, ao colocar a Prickly Paradigm na Internet (ver www.pricklyparadigm.com) e naquele formato em particular, foi possível fugir de algumas das limitações do mundo académico e editorial. Quais são as possibilidades abertas pelo panfleto?

MARSHALL SAHLINS — O panfleto é uma forma muito libertadora de escrita — isto é, se assumirmos que não precisamos de referências e bibliografias. Não precisamos de ser diletantes, mas também não nos devemos restringir ao nosso cantinho de conhecimento.
As pessoas transformaram-se em peritos de coisas cada vez mais restritas, e um dos resultados disso mesmo é que algumas delas “estoirarão” se não mudarem ou alternarem com tópicos mais abrangentes. O panfleto é um lugar onde a pessoa pode sair da sua pequena especialização em “Reinos Fijianos do século XIX” — que é em si interessante, muito interessante mesmo, para ela e para outras seis pessoas, das quais quatro se encontram noutro país.
No panfleto elas poderão falar das coisas da mesma maneira em que as pensam mas que nunca imaginaram poder publicar. Algumas das nossas edições mais recentes tiveram uma grande publicidade na blogosfera — como este sobre os museus, escrito por um antigo curador do Guggenheim em Nova Iorque, ou a crítica extraordinária de Susan McKenna à biologia evolucionista, ou The Law in Shambles, outra obra extraordinária que teve grande feedback dos blogs. Trata-se, por isso, de liberdade.

E — Qual é o lugar dos média, e em particular dos “novos média”, no seu trabalho e na pesquisa antropológica em geral?

MS — Bom, na pesquisa é evidente. O Google, acredito, é o futuro. Outro dia olhava para uma citação que eu tinha de John Adams; eu conhecia a frase, mas não sabia onde se encontrava, e então coloquei-a no Google e cheguei ao volume três, 1797, página tal. Uso permanentemente textos bilingues. A Internet é fabulosa.
Noutro sentido, todos conhecemos os problemas dos média. Os média são tão dependentes dos poderes que os rodeiam que foram praticamente irrelevantes nos últimos três anos em Cuba e no Iraque.
Mas para a antropologia, os média reduzem, efectivamente, aquilo a que chamo de “trabalho estrutural”, pela sua amplificação dos pequenos incidentes. Fazem-no muito bem. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu com os cartoons (do profeta Maomé).

E — Recordando o seu primeiro artigo publicado, “Esoteric Efflorescence in Easter Island” (1955), como é que você encara a história do seu próprio trabalho num contexto antropológico mais abrangente, as suas mutações e continuidades?

MS — Há uma longa introdução a esta questão em Culture in Practice, que é uma espécie de autobiografia intelectual e que recomendo a quem estiver interessado. Para responder à sua questão de forma breve, há uma continuidade fundamental, no sentido em que eu aprendi com Leslie White, que era muito conhecido por ser um determinista tecnológico da cultura, e por ter uma teoria estranha acerca da perda evolucionária do desenvolvimento, etc., que era bastante pitoresca. Mas White também tinha outro lado. Durante o período de pós-guerra, ele era o único entre os antropólogos americanos que afirmava que “isto é Saussure”, ou que estava interessado no trabalho de Susan Langer sobre como os seres humanos se distinguem pelas suas actividades simbólicas. Ele também costumava citar Cassirer.
Depois, houve um momento na filosofia em que se entendia a actividade simbólica como uma característica essencializante da humanidade e a base da cultura. E White, ao mesmo tempo que era, digamos, um determinista tecnológico, também argumentava que um machado era essencialmente uma “ideia” simbolicamente constituída através das relações entre as pessoas, etc.
Ele desenvolveu uma ideia de cultura que foi muito importante para mim e que era muito diferente da de pessoas que pensam que a sociedade é o seu objecto, ou de antropólogos sociais para quem a cultura é uma espécie de forma de manutenção de uma sociedade. Se a cultura é simbolicamente constituída, também o serão as relações sociais — a maternidade, a família, os primos cruzados. Estas são categorias de relações simbolicamente constituídas.
Para mim, era esta a base ontológica da disciplina: o nosso objecto era a cultura e a variação das diferenças entre as culturas. Coisas que hoje em dia passam por “cultura” — por exemplo, entre agentes de desenvolvimento económico, que dizem que a “cultura” é um impedimento para o desenvolvimento —, não fazem qualquer sentido ontológico na minha antropologia, já que desenvolvimento económico é cultura.
Eu passei pelas fases de Marx, Polanyi e outros. O grande problema que eu tinha com o materialismo — e com a antropologia da mid-western civilization dos anos 70 e 80 — era a gradual apreciação do facto de que a vida material era, de facto, cultural e simbolicamente constituída, e portanto não era um qualquer determinante técnico ou externo do restante sistema; por isso é que eu gostava do estruturalismo de Lévi-Strauss. O estruturalismo é essencialmente “infra-estrutural”, apesar de Lévi-Strauss dizer que se tratava de uma “ciência das superestruturas”. Tive uma discussão pública com ele sobre este assunto. A questão era que eu desenvolvia a ideia de que a actividade económica era uma disposição funcional de uma ordem cultural.
Outro factor muito influente foi a guerra no Vietname. A resistência do povo vietnamita afectou as pessoas de formas muito diferentes — seria apelidada de espantosa por alguns, tal como era apelidado por muitos o imperialismo do Ocidente, e muitos acabaram por sair da guerra como anti-imperialistas. Eu acabei a guerra a pensar sobre a organização e complexidade de uma sociedade como aquela. E sobre como é que ela funcionaria do ponto de vista histórico. Como disse Boas, a única forma de compreender a sociedade é através da sua análise histórica. Fui muito influenciado pelo artigo de Boas, “The Study of Geography” (1887). Transformei-me num cosmógrafo cultural. Havia uma conjuntura particular nos meus interesses. Eu encontrava-me a trabalhar com registos de propriedade de metade do século XIX, havaianos, que eu queria utilizar para reconstruir uma espécie de etnografia do Havai, porque era uma das maiores ilhas polinésias e não tinha uma etnografia geral. Por isso, comecei a ler a história que precisava para poder lidar com os arquivos de propriedade e só depois comecei a envolver-me no projecto etnográfico.

E —Desde os seus primeiros artigos até ao seu livro mais recente, sempre elaborou intervenções acerca de questões políticas através do trabalho antropológico. Qual é olugar do compromisso político na antropologia de hoje?

MS —Penso que é difícil ser politicamente comprometido na antropologia de hoje, porque o estado de compreensão da ordem cultural, histórica e social é de tal forma que não conseguimos apreendê-lo. O pósmodernismo, desconstrutivismo, etc., retiraram a capacidade de apreensão das realidades políticas que o marxismo ou teorias anteriores ofereciam. Onde é que um pós-modernista protesta? Ou um foucaultiano, onde protestará se afinal o poder está em todo o lado — incluído nele? Como diz Foucault, os indivíduos são factores de poder. Por isso ele limita-se, mais ou menos, a resmungar consigo mesmo.
Por isso, temos um problema, na medida em que as ciências sociais — e a academia, pelo menos no que diz respeito às humanidades — abandonaram qualquer concepção de ordem que permita apreender as realidades políticas. Talvez por isso o panfleto anarquista de David Graeber (Fragments of an Anarchist Anthropology, 2004) seja a melhor solução para o problema actual.
O segundo problema é o do antropólogo.
Nós, enquanto antropólogos, pensávamos acerca de como os nativos seriam colonizados pelo capitalismo. E, de facto, não foi bem assim que as coisas aconteceram. O que efectivamente aconteceu foi que os antropólogos é que foram colonizados pelo capitalismo, e dedicámo-nos a fazer exotic economics.
Tivemos recentemente um seminário — não vou mencionar nomes — sobre o neoliberalismo e os artistas no Egipto. Aquilo começou com o neoliberalismo e a estrutura do neoliberalismo no Egipto, e nunca chegámos a falar nos artistas. No final, fomos informados de que os artistas não são a favor do mesmo. Mas, em vez de começar com os artistas e com a etnografia, começamos com o neoliberalismo, e ficamo-nos por aí.
Um terceiro problema relaciona-se de forma mais distante com a política. Já não temos, na antropologia, uma narrativa histórica, nem uma grande metafísica que nos ajude a localizar os nossos estudos. A escola dos Annales começou com as categorias aristotélicas do conhecimento — ritmo, espaço, etc. — e como elas são concebidas nas distintas sociedades. Os estruturalistas sociais britânicos tinham um programa, assente nas linhagens e na estrutura social, e conseguiam encaixar uns estudos nos outros. Os evolucionistas americanos conseguiam encaixar os seus estudos num esquema evolutivo. Igualmente, os difusionistas encaixavam o seu trabalho numa narrativa histórica.
Mas nós não temos hoje uma metafísica que nos permita relacionar os nossos estudos, nem temos interesse nos modelos metafísicos prévios. Penso que a essência da antropologia foi excessivamente esvaziada. Isto é uma particularidade antropológico-política.

E — Encontra alguma validade naquilo que um aluno seu apelidou de “posteriologia” (“afterology”)? Por exemplo, como é que caracterizaria as suas teorizações mais recentes sobre “agência” em comparação com a noção de “agência” nas abordagens pós-modernas, pós-coloniais ou desconstrutivistas?

MS — O meu interesse pela agência tem a ver com a agência histórica, e não com o facto de uma pessoa ser ou nã responsável pelas suas acções. Trata-se de uma agência em termos de determinados indivíduos, em conjunturas específicas, estabelecerem um rumo histórico em virtude de se verem estruturalmente empoderados por essas mesmas conjunturas. Ia no seguimento do meu trabalho sobre a estrutura e o acontecimento, etc.
O pós-modernismo teve, pelo menos, o condão de nos obrigar a ser mais cuidadosos com o uso das categorias e com a análise das relações. No entanto, uma coisa é ser cuidadoso, outra é ficar paralisado. Nos anos 80 e 90, encontrava frequentemente alunos meus com receio de afirmar que “A” está relacionado com “B” — eu que escrevia sobre estruturas que tinham dois mil anos de existência! O pós-modernismo teve o mesmo efeito que uma lobotomia frontal nas noções de ordem dos alunos, que não se atreviam a colocar as coisas em relação, com receio de que alguém como Ron Inden os acusasse de ser essencialistas. No que diz respeito aos alunos, o pós-modernismo foi destrutivo de muitas maneiras, pelo menos do meu ponto de vista. É difícil dizer que encontramos ecos dele no meu trabalho, o que provavelmente explica porque é que interessou a tanta gente.

E — Acha que a antropologia se encontra num período de paralisia?

MS — De certa forma, o pós-modernismo nunca chegou a conquistar o campo da antropologia por inteiro; houve sempre pessoas a fazer bons trabalhos. Mas sim, penso que o que aconteceu foi que o conceito de “cultura" foi esvaziado, e o corpo metafísico sujeito a uma erosão pelas importações periféricas e descrições externas. O quetambém aconteceu noutros campos: tanto as humanidades como as ciências sociais acreditam ter perdido a sua autoridade uma em relação à outra.
Nós temos um problema grave na antropologia. Eu posso apresentar a mesma comunicação — e eu já o fiz — nos departamentos de humanidades, antropologia, história, filosofia e teologia.
Por vezes, vou ao seminário de quarta-feira nas Humanidades e de segunda-feira em Antropologia. Ambos provam que, de facto, existe uma coisa chamada “almoço gratuito” e também tornam impossível saber — se dependêssemos do seminário — se estamos na segunda ou quarta-feira.
Há dias recebi um e-mail de um estudante que estava a começar uma revista chamada After Culture, e que me perguntava: “Você está interessado em contribuir?” Eu respondi: “Não estou no seu nível. Eu ainda estou na cultura.” Por isso sim, penso que ainda estamos sofrer de uma certa paralisia. E é um problema sério em muitos sentidos. As pessoas mais velhas pensam que o que está a acontecer não é bom. O problema com os académicos é que quando morremos podemos esperar cair no esquecimento. Mas algumas pessoas, como Lévi-Strauss, sobreviveram às suas vidas intelectuais.

E — Portanto, hoje o conceito de cultura está em todo o lado, mas não tanto na antropologia…

MS — Costumava dizer-se a “psicologia” de Washington, agora diz-se a “cultura” de Washington. Costumava ser o ethos, agora é a cultura. As pessoas falam da sociedade todo o tempo, e isso não destruiu a sociologia. As pessoas falam sobre economia, e isso não incomodou os economistas. Acho que isso não é um problema para a antropologia.
O que eu acho interessante é que todo aquele movimento cultural de autoconsciência entre as sociedades indígenas por todo o mundo nas últimas duas a três décadas foi concomitante com o abandono de um sentido de cultura pelos antropólogos, o que os deixou hoje a tentar “des-autenticar” o uso que estas pessoas fazem da cultura. É uma situação irónica e triste.
Quando eu estudei antropologia, estávamos num campo que incluía obrigatoriamente a antropologia biológica, e o problema de distinguir a humanidade dos primatas era real, o problema da distinção entre as sociedades primatas e as sociedades humanas era uma questão chave. As pessoas desdenharam a noção de cultura com o pretexto de que as culturas como as conhecemos já não existiam, não se encontravam numa ilha qualquer no Pacífico à espera que o etnógrafo falasse da sua condição pristina. Elas tinham-se transformado, e eram novas formas culturais como “comunidades transnacionais”, como os mexicanos em Chicago, mexicanos que iam e vinham de Oaxaca, e portanto tínhamos novas formas de ordem cultural. Por isso, uma vez que as velhas formas desapareceram, já não existe a cultura. A velha “cultura” antropológica extinguiu-se.

E — Tendo isso em conta, que crítica é que faz da etnografia? Como você disse uma vez, os etnógrafos “fazem mais do que poemas, apesar de não ser obrigatória a experiência”.

MS — Uma das coisas que mencionei antes era que não há uma ordem metafísica mais lata onde inserir o teu trabalho, onde possas trabalhar em relação a outros; e, em particular, há uma perda progressiva de interesse pelas diferenças culturais. Há uma ausência de treino nas diferenças culturais, as pessoas chegam e vão logo fazer uma etnografia de uma região ou povo, ou da sua própria sociedade, ou de outra sociedade moderna e complexa. Não estão interessadas nos índios Crow, e não sabemo que é um primo cruzado.
Durante anos, eu avisava os meus alunos de que lhes ia perguntar sobre a diferença entre o casamento paralelo e cruzado nos seus exames. Eles não saberiam como
responder. A noção de que as pessoas são estruturadas pela família é, parece-me, um factor crítico, porque todas as nossas noções sobre a natureza humana baseiamse
em como as pessoas adultas agem nas sociedades ocidentais.
Também não temos cursos por áreas, não sabemos nada sobre a Polinésia nem precisamos de o saber. E penso que isto foi uma perda terrível no que diz respeito a compreender o quanto as culturas, e as suas ontologias, são diferentes — o que é fundamental no mundo de hoje.
Tomando o exemplo da guerra no Iraque, é fundamental a sua compreensão, e apenas podemos percebê-los com este tipo de exposição; mas não a fazemos, não o suficiente.

E — A cultura e a diferença têm sido tópicos de conversação frequentes nos média noticiosos no que diz respeito à “guerra ao terror”. Qual é a sua opinião acerca da guerra no Iraque e do projecto mais amplo da Administração Bush tendo em vista a “eliminação do terror”?

MS — A guerra ao terror é também a guerra contra as drogas e outras abstracções semelhantes. É uma estupidez infindável. Infelizmente, com o11 de Setembro, porque tínhamos este uncurious George, este George ignorante na presidência, fomos incapazes de tratá-lo como uma actividade criminal, comoum crime contra a humanidade; se assim fosse, duvido que tivesse havido uma guerra — pelo menos não uma guerra no Iraque. Num dos meus textos mais recentes escrevi que se Elián González não tivesse dado à costa nas praias de Miami em 1999, nós teríamos um presidente diferente e não teríamos uma guerra no Iraque.
O que é que eu penso da guerra? Ela baseia-se numa noção concreta de natureza humana — durante a guerra no Vietname, costumava dizer-se que por trás de cada gook, de cada “chinoca”, havia um americano a querer sair. Em cada iraquiano há um americano. Se nos conseguíssemos livrar daquela cultura idiossincrática, ficaríamos com aquela liberdade rah-rah básica e acção livre que temos todos, e a única forma de o fazer é, normalmente, através da força.
Por isso, baseia-se numa noção muito rudimentar da natureza humana e da mudança cultural. Eu já escrevi um texto sobre isto, que ainda não publiquei. Na altura, li esta mesma ideia num livro de George Packer sobre o Iraque, chamado The Assassin’s Gate — uma excelente leitura. Era precisamente esta a sua conclusão acerca da forma como se estava a intervir no Iraque. Portanto, há efectivamente uma antropologia fundamentalmente má, baseada em noções rudimentares de cultura, mudança cultural e natureza humana, sem qualquer apreciação da diferença cultural. E, se for este o futuro da antropologia na política, a antropologia está com problemas.

E — Qual deve ser o papel do antropólogo neste contexto?

MS — Se nós próprios, antropólogos, abandonámos esta missão de compreender as diferentes ontologias, de conhecê-las e ensiná-las, então o que é que havíamos de esperar destes políticos? Wolfowitz aprendeu na Universidade de Chicago. Se tivesse sido ensinado por bons antropólogos…

E — O que é que, na sua opinião, explica a despolitização da disciplina antropológica?

MS — Penso que a universidade norte-americana pode ser descrita numa só linha: é a procura do conhecimento desinteressado por pessoas auto-centradas. Existe um sistema brutalmente competitivo, que nós ainda não apreendemos. Tudo na universidade é competição. Se és estudante, competes para entrar, competes nas cadeiras, há uma classificação por pontos absoluta.
É um sistema educativo burguês, onde as pessoas talvez protestem contra a intromissão das universidades nos direitos de propriedade intelectual, ou contra o uso de dinheiros públicos e resultados de investigações para patentear invenções e obter lucros com as suas próprias empresas subsidiárias capitalistas — talvez protestem contra isto, mas têm uma relação ferozmente individualista com as suas ideias. Deus os livre se não são citados ou se são plagiados.
Houve estudos que mostraram que os círculos internos de sociabilidade colegial e colaboração dos académicos resumem-se a duas ou três pessoas, das quais uma ou duas se encontram noutra universidade. Bateson falava de vários tipos de competição e formas estruturais; uma delas era uma espécie de “esquismogénese” (schismogenesis) simétrica, como ele a chamava, um tipo de competição simétrica, de “corrida às armas”. Tudo o que tu fazes, eu consigo fazer melhor.
Uma das formas mais extremas, e a mais comum, destes processos é aquilo a que poderíamos chamar de “esquismogénese transcendental”, em que uma pessoa procura desqualificar as pessoas da sua própria área disciplinar saindo dela e reportando coisas de outras áreas. É por isso que, hoje em dia, existe este enorme aparato de relacionamentos interdisciplinares. Há muito mais transdisciplinaridade sem institucionalização do que se possa imaginar, porque agora todos estes conceitos são comuns — pósmodernismo, desenvolvimento económico, antipositivismo, pós-colonialismo, Foucault, Marx. São comuns a todas as disciplinas porque todos estão a procurar acrescentar ideias atractivas às disciplinas saindo das mesmas.
Outra faceta da competição é que, quanto mais perto se encontram as disciplinas relativamente a assuntos de pesquisa, menos terão a ver uma com a outra, porque estarão a competir por posições na universidade, recursos, novas admissões, etc. Quando estás em competição, irás o mais longe possível, como com o direito e economia, ou com a antropologia e os cultural studies ou as humanidades. E então começas a importar conceitos cada vez mais bizarros. Não vou falar em nomes, mas há um importante antropólogo que diz “Bom, queres saber o que é a cultura? É essencialmente a teoria do caos, é fragmentada, blá blá blá, é o caos.”
Portanto, é antropologia e física.
Tem havido uma apropriação de muitas coisas. Quando Foucault escreve sobre a disciplina no século XVIII e sobre a civilização ocidental, toda a gente recolhe as suas ideias para falar dos Bongo-Bongo e reutiliza-as para falar de poder na sociedade. O resultado é que o próprio terreno é “evacuado” em função do que está na moda. Os estudantes não têm qualquer interesse em narrativas do seu terreno, em saber onde é que o seu trabalho encaixa ou como o futuro se relacionará com o que acontecia antes.
Quem ainda lê Boas? Quem ainda lê White? Eventualmente, só se for nas aulas de Sistemas (N. do T.: Systems é a cadeira anual fundamental do ensino pós-graduado de antropologia na Universidade de Chicago). e mesmo assim será muito raro isso acontecer.
A universidade burguesa tende a destruir e criar todas estas “semi-disciplinas” intermédias no seu seio: institutos, centros, comités. São todas “quase-disciplinas”.
Algumas são paradigmas sem um objecto, como a teoria política. Outras são objectos sem um paradigma, como os estudos por áreas geográficas. E algumas ainda não
têm nem paradigma nem objecto, como o pensamento social, que sobrevive no princípio cartesiano de que se eu penso…

E — É recorrente ouvir que, em vários sentidos, “a universidade” está em crise. Apenas para colocar exemplos ocorridos na semana passada, o Tribunal Supremo dos E.U.A. decidiu que os fundos federais poderiam ser retidos para aquelas universidades que interferissem com o recrutamento militar nos campus; por outro lado, um reconhecido académico, a caminho de uma conferência, foi proibido de entrar nos E.U.A.; por último, numa grande universidade da África do Sul, docentes e funcionários fizeram greve contra a corporativização da universidade. Você antevê uma crise?

MS — Parece-me que é uma faca de dois gumes. Há um conjunto de pressões externas que são aceites pela universidade porque ela está em competição com outras universidades.
Por isso mesmo a direcção da universidade estará receptiva para receber estudos feministas, mesmo se se trata de um grupo de misóginos, porque a alternativa é aquilo que aconteceu com Summers, caso não recebas os estudos feministas de braços abertos (N. do T.: Lawrence Summers, presidente da Universidade de Harvard desde 2001, pediu a demissão do cargo em Fevereiro de 2006, depois de uma série de controvérsias provocadas por defender opiniões polémicas acerca de assuntos como as questões raciais, ambiente e desenvolvimento e, finalmente, questões de género. Sahlins refere-se concretamente a afirmações de Summers em que este explicava a sub-representação de mulheres em cargos de investigação avançada e gestão académica pelas “diferenças naturais” nas aptidões intelectuais de homens e mulheres).
Há um conjunto de pressões externas que fazem com que a universidade — porque se encontra numa relação competitiva com outros empreendimentos económicos — seja receptiva a tudo o que seja popular no público. Desde as políticas emancipatórias até às políticas pró-governamentais, desde os estudos políticos até à odontologia utilitária ou qualquer outra coisa utilitária que faça dinheiro.
Há o problema da competição entre universidades, que está inserido na sociedade mais abrangente. No entanto, temos ainda o problema interno que mencionei antes: trata-se de um sistema interno altamente competitivo. Um sistema estranhamente competitivo.
Se queres saber o que é a cultura, é precisamente não nos apercebermos de como este sistema é competitivo. Estamos aqui sentados e assumimos como natural que as pessoas compitam pelas suas carreiras, que as revistas sejam classificadas, que os professores sejam classificados, que os estudantes sejam classificados, que tenham que lutar com os seus colegas pela admissão nos liceus, que sejam classificados nos seus cursos por curvas de performance académica, que tenham de ter uma média de notas, que tenham de voltar a competir pela entrada na faculdade, por bolsas, por pós-docs e por ser assistentes, para depois iniciar a sua carreira, uma competição que os levará em direcção à docência universitária. Este é um sistema extraordinário, um sistema mesmo extraordinário.
Estamos, portanto, num sistema burguês; mas depois temos esta espécie de governo neoconservador que ultrapassa os limites no que diz respeito à liberdade académica. No entanto, esta não é uma questão nova. As universidades colaboram com o governo há muito tempo, e a questão dos fundos tornou-se crucial para elas. Com algumas delas é quase uma forma de potlatch.
Em qualquer caso, as administrações das universidades estão agora preparadas para organizá-las para ganhar dinheiro, em vez de utilizar o dinheiro para organizar as universidades. Estão preparadas para tornar a política académica em algo com uma orientação financeira.

E — Como é que se lidou com isso aqui em Chicago?

MS — É precisamente o que tem acontecido na Universidade de Chicago nos últimos quinze anos, de uma forma particularmente grave. Em 1993, 70% das matrículas na Divisão de Ciências Sociais da Universidade de Chicago eram de alunos de doutoramento, e 30% eram alunos de mestrado. Em 2000, 70% dos alunos licenciados estavam no programa de mestrado — porque é economicamente rentável — e 30% eram doutorandos.
Hoje, por norma os estudantes de doutoramento fazem pesquisa empírica e os alunos de mestrado não. Em consequência, o volume de investigação a ser desenvolvida na universidade está a ser cortado por motivos financeiros. Toda a estrutura, a estrutura demográfica da universidade, está a ser organizada em função do dinheiro, em vez de se usar o dinheiro para organizar a universidade.
Trata-se de uma enorme transformação, desde o ideal germânico e romântico de uma academia desinteressada, na base do qual as universidades de Chicago, Johns Hopkins e outras foram fundadas no final do século XIX, e que fora importado da Alemanha no início desse século. Essa transformação é processada na direcção administrativa, pela penetração de preocupações utilitárias, preocupações políticas e estratégicas, dos movimentos políticos, movimentos sociais, tudo o que envolve o público, de forma a ganhar dinheiro. E assim, hoje, até as dotações já não são vistas como formas de financiamento da universidade, na medida em que as universidades são agora formas de aumento das dotações. E estas pessoas gerem as dotações como se se tratasse de um jogo de apostas aleatório. A universidade transformou-se numa instituição de orientação pecuniária.

E — O que é, se é que é alguma coisa, o neoliberalismo?

MS — O neoliberalismo é aquilo que se costumava chamar de capitalismo tardio.
É como aquela anedota sobre dois comunistas, um que morava na Polónia e o seu amigo, que tinha ido viver para a América. Depois de muitos anos, encontraram-se, e o americano diz: “O que é que tens feito?” Ao que o polaco responde: “Olha, estive a viver na Polónia, a testemunhar o fim do socialismo. E tu, o que tens feito?” “Bom”, responde o americano, “estive a testemunhar o fim do capitalismo”. Diz o polaco: “Como é? O que aconteceu?” Responde o americano: “Bom, é uma morte linda.”
O capitalismo tardio afinal não era tão tardio; tem sido uma morte longa, e as notícias sobre a sua morte eram afinal exageradas. Por isso, a questão do neoliberalismo é que as pessoas se aperceberam de até que ponto as instituições, ou mesmo toda a ontologia cultural, se transformou numa ontologia capitalista mercantilizada. Penso que o que mais as horrorizou foi perceber que a ideologia do Departamento de Economia da Universidade de Chicago se está a transformar cada vez mais numa realidade.
Por isso, quer vás à escola, à Califórnia ou ouvir uma sinfonia, quer escrevas música ou cometas suicídio, é tudo uma escolha racional. É isto o neoloberalismo. É o reconhecimento da recorrência da teoria economicista na nossa cultura.

E — Há quem afirme que o humor é uma arma particularmente eficaz nestes tempos políticos. Qual é o papel do humor no seu trabalho?

MS — Não sei, penso que a ironia tem um papel importante, e que o humor é inevitável. Já sei qual é a melhor resposta que posso dar: nos acontecimentos de 1968 eu encontrava-me na França; eu estava na rua, perto da Sorbonne, quando um repórter do Humanité, um jornal comunista, entrevistava Daniel Cohn-Bendit, o líder da revolução. O repórter recriminava Cohn-Bendit por este dizer qualquer coisa como: “A revolução é um carnaval!”. Dizia ele: “O que quer dizer com carnaval? Como é que isto é um carnaval?” E Daniel Cohn-Bendit responde: “Se não te podes divertir, para quê agir?” Seja como for, se não for divertido… O humor está frequentemente mais próximo da verdade, comunica melhor a verdade. Ou pelo menos comunica melhor as ambiguidades.


Entrevista realizada em Chicago, no dia 14 de Março de 2006 por Filipe Calvão e Kerry Chance. Esta entrevista é publicada simultaneamente na Etnográfica e na revista Exchange, do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Chicago. Tradução portuguesa de Ruy Blanes. Etnográfica, Vol. X (2), 2006, pp. 385-394 (fonte)

Henry Rousso (2009)

Tempo e Argumento - O que é a História do Tempo Presente?

Henry Rousso – Para essa questão existem duas respostas. A primeira, uma resposta que se inscreve no contexto francês. Essa denominação está associada à criação deste instituto: o Instituto de História do Tempo Presente (IHTP) foi criado entre 1978 e 1980 e tinha por objetivo trabalhar sobre o passado próximo e sobre a História Contemporânea no sentido etimológico do termo, ou seja, uma História (...) na qual o historiador investiga um tempo que é o seu próprio tempo com testemunhas vivas e com uma memória que pode ser a sua. A partir de uma compreensão sobre uma época que não é simplesmente a compreensão de um passado distante, mas uma compreensão que vem de uma experiência da qual ele participa como todos os outros indivíduos. Essa é a definição etimológica de História Contemporânea e não há nada de original. Contudo, na França, a expressão “História Contemporânea” possui outra significação, pois ela se desenvolveu como segmento da disciplina histórica e da historiografia. No último terço do século XIX, nós consideramos que a data inaugural da História Contemporânea foi a Revolução Francesa. Portanto, ainda hoje, aqui na França no programa escolar/universitário a História Moderna termina com Luis XVI, o último grande rei, e a época contemporânea, a nossa, começa com a Revolução Francesa, em 1789. Na França quando você afirma que é um historiador do contemporâneo isso pode abranger todo o século XIX e XX. Não há nenhuma ambigüidade nisso. Contudo, esse fato nos coloca evidentemente vários problemas, pois nós transformamos a noção de História Contemporânea. Assim, a palavra “contemporâneo” não teria mais significações e seria simplesmente um recorte temporal, uma forma de abordar o tempo. Entretanto a palavra “contemporâneo” significa “ao mesmo tempo, o tempo com” e isso designa certa percepção ideológica da História. Quando eu afirmo ideológica não é necessariamente política, mas se baseia em uma idéia simples, pois a civilização, o universo espaço-tempo no qual nós vivemos na França (na Europa) nasceu com a Revolução Francesa. Evidentemente essa afirmação não é falsa, mas também não é verdade. São a partir dessas constatações que no fim dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, há todo um movimento na França e em muitos outros países europeus, para lançar e relançar o estudo da História Contemporânea (...). E esse é outro ponto bastante importante para compreender a emergência da História do Tempo Presente, pois nessa época, produzir História Contemporânea era considerado algo suspeito. Eu, quando iniciei meus estudos, quando comecei a trabalhar como pesquisador, na metade da década de 1970, afirmei: ─ “eu quero fazer História contemporânea e quero trabalhar o período de Vichy”(1). Afirmaram então que eu era duplamente louco. Primeiro, por investigar o período de Vichy e, segundo, porque o estudo da História Contemporânea não tinha nenhum futuro. “Se você quiser ser um grande historiador é preciso estudar a História Medieval ou a História Moderna...”.

Tempo e Argumento – ...estava na moda...

Henry Rousso - Sim, estava na moda e os grandes historiadores da época, Fernand Braudel, Pierre Chaunu, Emmanuel Le Roy Ladurie, Georges Duby, eram medievalistas ou estudavam o período moderno. Havia muito poucos grandes historiadores (franceses) do contemporâneo. O único que surgiu foi René Rémond, mas por razões que não foram somente científicas. Então, a escolha do termo História do Tempo Presente foi simplesmente para se destacar do termo História Contemporânea que, na França, possui outra significação. Neste mesmo momento foi criado o Instituto de História Moderna e Contemporânea, dedicada ao período entre os séculos XVI e XX. Para mim sempre esteve claro que queríamos aprofundar (os estudos) sobre o período compreendido entre a Segunda Guerra Mundial aos nossos dias, no caso, até os anos de 1980. E a segunda razão, o IHTP é oriundo de outra instituição que havia sido criada após a Segunda Guerra, que se chamava Comitê de História da Segunda Guerra Mundial. Este era um centro de pesquisa particular, consagrado exclusivamente para tal. E nós consideramos que este seria um ótimo ponto de partida para lançar um instituto que iria se dedicar à História Contemporânea, sobretudo, a investigar a Segunda Guerra Mundial e as décadas posteriores. De fato, nós antecipamos a tese recente de um historiador, Tony Judd, que publicou uma história da Europa desde 1945, intitulada de História do Pós-guerra. Como se a história da Europa até a queda do Muro de Berlin não fosse o pós-guerra. Sendo assim o acontecimento maior do século XX seria a Segunda Guerra Mundial e o que acontece após a mesma uma sequencia, uma sequela, etc. Portanto, a primeira razão para se distinguir a (História do Tempo Presente) da História Contemporânea foi uma motivação técnica e semântica, pois queríamos mostrar “outra coisa” (...). Na segunda razão há também uma dimensão ideológica. Ideológica no sentido que não é qualquer História que será feita a partir dos anos 1980 e o IHTP, assim como todos que trabalharam com o tempo presente, buscou objetos particulares.

Tempo e Argumento – No Brasil, como forma de divisão temporal da História, o modelo seguido no ensino é também esse de uma História Contemporânea que começa com a Revolução Francesa.

Henry Rousso – Sem dúvida, vocês foram influenciados pelo movimento francês, mas é necessário dizer que nós encontramos essa mesma abordagem em outros países europeus. Contudo, existem países europeus que possuem recortes temporais totalmente diferentes. Na Alemanha, por exemplo, existe todo um debate anterior ao da França sobre o que é a História Contemporânea, sua relação com o tempo presente e a uma história próxima. Inclusive fomos buscar o termo “tempo presente” em uma tradução do alemão. Para os historiadores alemães, o verdadeiro debate era determinar qual foi o ponto de partida dessa história recente. Seria 1917 ou seria 1945? Para uma parte da historiografia alemã, sobretudo, essa do pós-guerra, a Revolução Bolchevique é uma questão importante. Todavia estes discutem se a queda do Nazismo em 1945 não é uma questão ainda mais importante do que 1917. Eu cito um terceiro caso, os Estados Unidos e o mundo anglo-saxão em geral. Para estes, História Contemporânea é, a grosso modo, a história próxima. Até onde eu saiba, há muito pouco debate epistemológico sobre o que isso significa, quando esta começou, qual é a data mais apropriada, etc. Há um tipo de pragmatismo na abordagem da História que faz a História Contemporânea ser entendida, a grosso modo, como um século, o século XX. Entendo que nos Estados Unidos os historiadores consideram estranho atribuir o início da História Contemporânea para a Declaração de Independência, em 1776. Mas aquilo que mais me chocou nos Estados Unidos em relação ao caso francês ou alemão (...) é que nestes dois países existe um grande debate político, científico e cultural sobre o ponto de partida da História Contemporânea. Nos Estados Unidos isto não constitui uma questão maior. Claro que existem outras questões, mas eu entendo que é um fenômeno associado a certa maneira de abordar a História. Eu compreendo que, no caso do Brasil e da América Latina em geral, esta abordagem é mais próxima do modelo europeu por razões evidentes e, inclusive, como uma maneira de rejeitar o modelo norte-americano. Nesse exato momento, aqui no IHTP, estamos em via de organizar um seminário internacional em torno dessa questão. Vamos perguntar aos historiadores norte-americanos que iremos convidar por que não há debate sobre esta questão nos Estados Unidos? O que é a História Contemporânea? Quando esta começa? Quais as questões subjacentes neste debate? História Contemporânea é somente história próxima?

Tempo e Argumento – A História do Tempo Presente é uma nova área de investigação da disciplina História?

Henry Rousso – No domínio da historiografia, mais uma vez eu reafirmo, nós falamos do caso da França. Mas isso que é verdade na França é relativamente verdade para a Europa. A resposta a essa questão traz novamente distintos nuances, pois, no início dos anos de 1980, era sim uma nova área de investigação. Ou seja, se nós olharmos o programa universitário e a pesquisa histórica, as grandes linhas, as grandes obras, os grandes historiadores, as grandes revistas estão “situadas”, sobretudo, nas áreas da História Antiga, da História Medieval e da História Moderna. Conforme afirmei anteriormente, ser um grande historiador, nessa época, significava ser um grande historiador medievalista ou modernista, isto é, alguém que vai investigar um tempo que desapareceu. Quando escutávamos na televisão Georges Duby falando do “tempo das catedrais” via-se que era outro mundo, em suma, era algo distante. Estávamos estudando a alteridade, não reconhecendo nossas origens, mas as observamos de muito longe. Já em relação à História Contemporânea me alertavam para ficar atento a uma “armadilha”. Conforme se afirmava na época, a História do Tempo Presente, no sentido etimológico da palavra é, na melhor das hipóteses, pertencente ao domínio das Ciências Políticas, ou na pior, ao Jornalismo, mas não da História. Esta é uma posição que não é exatamente nova, pois remonta à formalização ocorrida, no século XIX, na França e na Alemanha, no momento em que se forjou a metodologia da pesquisa histórica moderna.

Tempo e Argumento – Esse alerta remontava às raízes da História, enquanto disciplina?

Henry Rousso – Exato. Naquele momento era vigente a concepção de que a História poderia ser uma ciência rigorosa, fundada sobre documentos, fundada sobre traços tangíveis, fundada sobre métodos, fundada sobre o exame de textos e sobre o cruzamento de fontes documentais. Enfim, foi o momento em que a História se tornou uma profissão, no fim do XIX. Portanto, a História Contemporânea parece suspeita, porque é muito próxima, porque é muito sensível, porque lhe falta uma distância. O paradoxo é que a História, não como disciplina científica, mas como “olhar” sobre o mundo, nasceu com os gregos Tucídides e Heródoto, a partir de análises, a priori, da História Contemporânea deles e da História da guerra. Isso me fascina! O primeiro objeto da História foi uma guerra em um tempo presente, a Guerra do Peloponeso. Eu compreendo que sempre existiu uma tensão no trabalho dos historiadores de todas as épocas em relação à concepção de que não se pode investigar sobre o período contemporâneo, pois não se poderia compreender um processo que é inacabado. Essa foi a concepção pela qual, nós, e eu pessoalmente, muito nos “batemos”. Mas é verdade! Pois quando trabalhávamos sobre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1980, discutíamos sobre um processo (a URSS e o comunismo) que achávamos que duraria mil anos. Ninguém imaginava, em 1980, que o sistema soviético cairia nove anos mais tarde, praticamente sem guerra. Ok, mas a resposta foi bastante simples. Os historiadores não tinham nada a dizer sobre as questões da atualidade e iríamos “abandonar” todas (as análises) aos jornalistas e à ciência política? Não, isso é ridículo! Nós fazemos uma história inacabada. Nós fazemos uma história do inacabado. Nós assumimos o fato de que as análises que vamos produzir sobre o tempo contemporâneo, provavelmente, terão certa duração e que os acontecimentos vindouros podem mudá-las. Quando ocorreu a queda do muro de Berlim, evidentemente, alterou-se a História Contemporânea. Isso é uma evidência. Este fato mudou o “olhar” sobre a História Contemporânea produzida antes de 1989, pois o sistema soviético era mortal e o comunismo era uma ideologia datada. A Primeira Guerra Mundial teve um efeito tão ou mais importante que a Segunda Guerra Mundial, mas ninguém havia pensado até então. Somente após 1989 começamos a refletir sobre a que ponto a Primeira Guerra Mundial foi realmente importante.

Tempo e Argumento - E que também mantinha estrita relação com o que ocorreu na Segunda Guerra...

Henry Rousso – Exatamente. Isto faz parte de atividades que desenvolvemos aqui no IHTP. Portanto, em 1980, a ideia foi reposicionar no espaço científico uma visão de História Contemporânea. A grande surpresa, pois estávamos em 1980 e não sabíamos se isso daria certo: nessa época havia muito poucos estudantes de História Contemporânea, mas em 10 anos, 15 anos, 20 anos, 30 anos mais tarde, estes são mais da metade dos historiadores. Se observarmos atualmente um Departamento de História de uma universidade, verificaremos que o número de estudantes que pesquisam o período contemporâneo, considerando os séculos XIX e XX, é largamente superior aos demais. A História Medieval está em crise e a História Antiga também. O que é uma pena. Todo mundo quer produzir História Contemporânea. Nós conhecemos um crescimento incrível. Eu tive a sorte de administrar esta instituição no momento em que houve muitos debates. A profissão que eu exercia nos anos de 1980 e de 1990 não era nada daquilo que eu havia pensado durante a execução dos meus estudos. Com certeza existem outras questões. Nós fomos apropriados pelo debate público. A figura do historiador contemporâneo consagrou-se na França. Alguns anos antes, o que víamos na televisão era Georges Duby e Emmanuel Le Roy Ladurie, que falavam sobre um tempo com um grande recuo. Nos anos de 1990, víamos historiadores que falavam do nazismo, de Vichy, da guerra, da memória, enfim, que falavam do século XX. O que nos rendeu várias cenas de ciúme, de ataque, etc. Esse foi um fenômeno novo, não há dúvida.

Tempo e Argumento - Quais são os principais temas pesquisados pelos historiadores do Tempo Presente na França?

Henry Rousso – É difícil responder de uma maneira precisa. Mas posso afirmar que os historiadores do contemporâneo trabalham sobre as mesmas temáticas que seus colegas que pesquisam História Moderna, pois aborda-se o Tempo, a História Social, a História Econômica, a História Política, etc. Na França esta historiografia possui algumas características. Primeiro, a História Contemporânea foi dominada por certa concepção de História Política que eu qualificaria de tradicional, isto é, marcada por estudos dos acontecimentos políticos até os anos 1990. Depois, esta história dos acontecimentos do político sofreu uma lenta mudança para uma história da sensibilidade política e da cultura política. O que alguns chamaram uma História Social da Política. Mas a História Política no sentido de história das relações de força, história dos partidos políticos, é um dos domínios mais investigados pela História Contemporânea. Contudo, em grande medida, sem ligação com a abordagem da Ciência Política, o que entendo ser um grande defeito da historiografia francesa. Eu afirmo isso, pois publiquei um livro com um colega politólogo justamente sobre esta questão da transdisciplinaridade. Para mim, este é um grande ponto fraco dos historiadores na França. Outro domínio que eu conheço bem é tudo que emana da história das guerras, de sistemas totalitários e de guerras civis. Mas outra marca da História do Tempo Presente, evidentemente, esta que nós praticamos aqui no IHTP, mas também em outros lugares, é o foco sobre uma história do trágico, história do paroxismo, ou seja, da violência extrema, de sistemas políticos desconhecidos. Hannah Arendt ─ e eu posso não concordar com tudo que esta autora preconiza sobre o totalitarismo ─ tem razão fundamentalmente em, ao menos, um aspecto. É que o nazismo, o fascismo e o comunismo são sistemas que jamais existiram anteriormente na História. Mesmo se existem tradições e genealogias possíveis, o fascismo e o nazismo são sistemas não possuem equivalentes na História. Estes “aparecem” no início do XX e são totalmente novos. O comunismo idem. Houve um grande investimento dos historiadores do Tempo Presente na França, na Alemanha e na Itália, assim como em muitos países europeus, para buscar respostas sobre as guerras, os sistemas totalitários e as grandes “fraturas” do século XX. Podemos perguntar porquê? Isso que eu chamo a nova História Contemporânea. A História do Tempo Presente encontrou novos fenômenos sociais que considero extremamente importantes, sendo que o principal foi a questão da memória. A noção de memória coletiva teorizada por Maurice Halbwachs nos anos de 1930, não figurava na aprendizagem de um historiador francês da década de 1970. Não líamos Halbwachs. Ele não fez parte dos autores que eu li. A noção de memória coletiva fora reduzida, a grosso modo, à questão dos testemunhos. Então começam a aparecer fenômenos na sociedade francesa e em outras partes: as lembranças da Shoah (2), as lembranças da guerra, o debate público sobre a tomada de consciência acerca da colaboração com os nazistas. Esse é um fenômeno relativamente novo e os historiadores foram confrontados com toda força sobre tal domínio. Se eu pego meu caso pessoal. Eu comecei a trabalhar, em 1975, na minha dissertação de mestrado sobre o período de Vichy. A abordagem era a da História Econômica, que era a boa História, a verdadeira História, onde havia dados, números e arquivos. Em seguida, cinco ou seis anos depois, eu me “lancei” numa grande tese que nunca terminei. Eu percebi que no espaço público havia ainda um debate sobre a inculpação dos antigos colaboradores com os nazistas, etc. Eu me dei conta que este período não estava morto. E que, ao contrário, a memória dos anos da Segunda Guerra Mundial estava viva entre os franceses, e a do nazismo, na memória dos alemães, e a do fascismo, na memória dos italianos. Hoje nós vemos que a maior parte dos países é confrontada com fenômenos sociais desse tipo, que questionam a sua própria História. O Brasil eu conheço menos. Mas eu vi estas mesmas questões adaptadas à sociedade chilena. Enfim, esse é um fenômeno que eu vi aparecer. Eu o dato como historiador no fim dos anos de 1970. Isto corresponde ao fim de um modelo de crescimento e de certa percepção do mundo que é voltada para o futuro. Portanto, há toda uma interrogação sobre um passado que retorna, notadamente, das gerações que nasceram após a guerra e que, a grosso modo, perguntam: será que o modelo ocidental é unicamente o crescimento, a democracia e os direitos humanos? Será que o século XX é o século que nos trouxe o progresso em relação aos séculos anteriores? Esse mesmo tipo de debate podemos conduzir para discutir a Idade Média. Contudo, o século XX que narramos hoje é muito diferente do século XX que descrevíamos na década de 1960. Podemos tomar o título de um livro sobre a História da Europa do século XX escrito por um historiador norte-americano. Este intitula a obra como “The dark continent”, isto é, o continente das trevas. Não importa quem tenha razão. Se o século XX foi o século da democracia e do progresso ou o século das trevas. O importante é que a nova História Contemporânea, a História do Tempo Presente, muito se alimentou dessa história do trágico. A história do período trágico e a história de sua memória. O que está acontecendo na Espanha é exatamente a mesma coisa. A diferença é que, ao invés de Segunda Guerra Mundial, é a Guerra Civil. Ou seja, é o mesmo fenômeno. É isso que eu chamava uma “História que não passa”, um passado que não passa, que é sempre presente. Esta concepção de que o passado permanece sempre presente nos apresenta um grande debate, que traz discussão e polêmica, pois é um regime de historicização novo. Não há muitos casos na História, no passado, onde se produziu dessa maneira. Entendo que a prática dos historiadores do Tempo Presente não pode ser compreendida fora desse contexto. Não é simplesmente uma maneira de escrever a História Contemporânea, é um pouco mais que isso. Há reconstruções, há o reconhecimento de determinados contextos. Por exemplo, nós travamos um debate com o historiador François Hartog, quando este publicou seu livro sobre os regimes de historicidade, especificamente sobre o presentismo. Nos acusou, mas de modo gentil, ao afirmar que o que fazem os historiadores do Tempo Presente é o equivalente a presentismo, pois não veriam outra forma de compreender o passado senão a partir do presente. Mas não é nada disso. Ao contrário, nós somos uma forma de reação ao presentismo. O que afirmamos é que não somente a História deve ser levada em conta na análise do mundo. (...) Não sei se conseguimos, mas o objetivo é ser capaz de produzir a História do nosso próprio tempo, tentando obter uma reflexão que permita um recuo relativo. Todavia, afirmavam: você não pode fazer uma História do Tempo Presente porque ela é muito próxima e muito polêmica; ok, é verdade! Vichy é muito polêmico. Quando eu comecei a pesquisar tive reuniões com os antigos ministros de Vichy. Eu os questionava, tomávamos um café e ponto final. Vou lhe contar um fato curioso. Uma vez eu convidei um antigo nazista para vir até minha casa, em função de uma entrevista para um filme, um antigo militar da SS francesa (...). Eu o convidei, pois não sabíamos onde rodar o filme e a solução foi a minha casa. Um senhor gentil que tinha 65 anos. Ofereci-lhe café, discutimos e ele explicou-me tranquilamente que era nazista. Ok, eu era um historiador e não havia problema. Mas, houve um o momento em que afirmou que as câmeras de gás não existiram. Eu então lhe disse: ─ meu senhor, retire-se daqui. São situações que nós somos confrontados quando somos historiadores do Tempo Presente. Portanto, o recuo funcionou durante uma hora. Eu tinha 25 anos na época. Não foi fácil, mas eu estava com alguém que contava sobre a guerra até o segundo que tive um clic. Eu me dei conta que estava diante de um safado que não pode continuar na minha casa e ponto final. Mas se fosse hoje, não faria isso, não o mandaria embora. Após trinta anos de profissão, (...) eu o faria falar. É isso pra mim a História do Tempo Presente. É um manter-se à distância face ao próprio presente, uma tarefa dura.

Tempo e Argumento - Quais os principais referenciais teórico-metodológicos utilizados pelos historiadores do Tempo Presente?

Henry Rousso – Essa é uma questão pela qual eu não tenho muito a dizer. Francamente, como referências teóricas, eu diria que nós tentamos forjar as nossas ferramentas teóricas. Agora, quais são os autores e a que se remetem, ao que me concerne, eu citaria, por exemplo, Maurice Halbwachs e Paul Ricoeur. Paul Ricoeur foi uma referência teórica. Ele nos acompanhou, ou seja, ele “descobriu” essas questões, ao mesmo tempo, que todo mundo. Nós descobrimos todos ao mesmo tempo. As questões sobre a memória estão em um dos seus último livros. O que afirmou sobre os historiadores, muito me impressionou. Paul Ricoeur veio várias vezes aqui. Nós tínhamos algumas relações com ele. Paul Ricoeur tentou sim compreender o “mal” no sentido filosófico, pois essa era uma das questões que nos colocávamos. Como compreender isso? Como compreender as sequelas que o “mal” pode deixar na consciência das pessoas? Como se comportar com alguém que foi traumatizado, um antigo deportado, por exemplo? Enfim, isso fez parte dos nossos debates teóricos. Na verdade, eu sempre me sinto um pouco embaraçado de responder sobre questões teóricas, porque tenho o sentimento de tê-las, um pouco, forjado. As leituras que me marcaram: Maurice Halbwachs e Paul Ricoeur e, sem dúvida, Hannah Arendt, esta não simplesmente pelas suas teses, com as quais não estou necessariamente de acordo, mas, sobretudo, em função de suas implicações com o presente. O que eu mais admiro em Hannah Arendt não são exatamente suas conclusões. Ela, provavelmente, se equivocou sobre várias coisas. Mas é essa forma de fazer uma filosofia no presente e do presente. Da mesma forma que nós queríamos fazer na História do Presente. Esta foi pra mim uma referência importante. Agora existem outros que não foram referências, tal como Michel Foucault. A princípio eu estava bastante afastado dessa maneira de pensar, mas descobri Michel Foucault por outras razões. Em função do que ele denominou de intelectual. Essa foi uma reflexão que me interessou por haver relação com as nossas práticas aqui no IHTP. Vou explicar: a História do Tempo Presente fez face a vários problemas, sendo que um deles foi a demanda social. No momento em que investigávamos sobre o nazismo, sobre Vichy e sobre as guerras, que eram problemas político-sociais para a sociedades francesa, européia e mesmo internacional, nós fomos muito solicitados pelo público em geral. Precisávamos responder a essa demanda social de alguma maneira. Nós então decidimos participar do debate público sem abrir mão da dimensão científica do nosso saber. Nós não estávamos de nenhuma maneira numa posição como a de Pierre Bourdieu, por exemplo, com certa rejeição da mídia e da televisão. Tampouco na posição de intelectual clássico, orgânico, engajado, à serviço do povo, da causa. Esse é um modelo que pessoalmente eu recuso para mim. E com o modelo de Michel Foucault eu me sentia mais capaz. Um exemplo: defender as vítimas da História, defender uma certa concepção da História me parece um ato militante. Eu não o faço. Eu o fiz um pouco e eu poderei refazer, mas não é o meu objeto. Eu não tenho motivação para tal. Defender um ponto de vista, no interior de um debate onde todos se exprimem sobre a História, isso me parece uma postura que é a minha postura ideológica e epistemológica. Eu entendo que Michel Foucault denominou de intelectual algo próximo a isso. Quer dizer, que se amanhã eu estiver em um debate com os sobreviventes da Shoah ou com as vítimas dos massacres de ditaduras na América Latina ─ algo que me aconteceu várias oportunidades ─ e se me demandam compaixão para compreender e ofertar “ferramentas históricas” para que as vítimas se exprimam, eu direi não. Esta não é a minha função. Se você quiser um terapeuta, pode buscar um psiquiatra, ou então, ir às associações de apoio. Eu estou aqui para outra coisa e, talvez, isso não seja útil para estas pessoas. Isso ocorre quando estamos frente a frente com pessoas que gritam: vocês não têm o direito de afirmar isso! Talvez não o direito, mas é a “verdade”, sentimos muito. Indago-me se não simplificamos muito a questão. Este tipo de posição não é a posição de um cientista que afirma que a ciência está acima de tudo. Eu não acredito nisso e, mesmo se acreditasse, isso seria ridículo e ponto final. Mesmo em um debate horizontal, em torno de uma mesa, com militantes políticos, vítimas, políticos profissionais, historiadores e nazistas. Se afirmam que o meu ponto de vista não é superior aos outros, mesmo estando convencido de deter a verdade histórica, mas a testemunha está também convencida de ter a experiência que outros não entendem. Mas é preciso ter essa posição. O grande perigo é de abandoná-la. Há muitos pesquisadores, atualmente, que estão ainda em uma posição na qual o historiador deve estar a serviço das vítimas. Isso é horrível e um grande perigo! O melhor serviço a fornecer às vitímas é lhes dar “armas” de compreensão. Quando eu escuto certos debates, com números, com procedimentos históricos e a enunciar coisas que são falsas e a reclamar ressarcimentos e juros sobre acontecimentos que jamais ocorreram...

Tempo e Argumento - Falamos então de uma instrumentalização da História?

Henry Rousso – Sim, não podemos ser ingênuos, isso é normal. O lugar dos historiadores, atualmente, é o de participantes do debate, mas conscientes dessa instrumentalização. Sempre colocar-se à distância. Dentro do debate, mas com o recuo necessário. Não em uma torre de marfim e sim o oposto.

Tempo e Argumento - O Brasil é um país com extrema desigualdade social, portanto existe também uma parcela de intelectuais e historiadores engajados na luta contra essa realidade.

Henry Rousso – Eu sei e entendo perfeitamente. Eu não critico os historiadores que estão engajados em boas causas e as defendem. Eu tenho ainda uma espécie de ideal de profissão e penso que em sendo demasiado prisioneiro de uma causa não é possível trabalhar. Eu vou dar um exemplo que me diz respeito: quando eu comecei a pesquisar iniciei um estudo sobre os colaboradores (3), sendo que muitos ainda estavam vivos. Afirmaram que eu iria enfrentar os piores problemas, inclusive judiciários, que eu não poderia escrever, que eu não poderia ter acesso aos arquivos, etc. Foi verdade, eu tive alguns problemas. Mas havia um professor que me dizia: ─ amanhã iremos investigar a Resistência, mas de outra forma, diferente daquilo que foi feito nos anos de 1960, quando os resistentes foram propagados como heróis inquestionáveis. Na década de 1980, começamos a estudar de maneira científica e rigorosa a Resistência e percebemos que havia heróis, sem dúvida, mas existiam também os que não o eram, além de uma série de outros problemas. Meu professor afirmou que isto era muito mais complicado do que investigar os colaboradores. Evidentemente, eu posso de um dia para o outro afirmar que Vichy foi um colaborador e que, os nazistas, são todos uns “sujos”. Perfeito, palmas pra mim, não há contestação. Se eu afirmo: tal resistente, que a princípio fez determinadas coisas, na verdade não foi bem assim. Pronto, cai o mundo sobre a minha cabeça. Enfim, eu relato tudo isso para evocar a necessidade de termos pessoas que sejam capazes de falar do passado com certo rigor e distância. Todo mundo tem o direito de falar do passado, mas todo mundo não pode fazer da mesma maneira. O perigo é que os historiadores de hoje abandonem essa postura em função de “combates”, mesmo se as causas sejam perfeitamente legítimas. É como se um advogado mentisse aos seus clientes sobre o Direito. O advogado vai mentir ao juiz, dizendo: o meu cliente é inocente! Mas na verdade ele é culpado. É seu papel. Mas ele não vai mentir ao seu cliente lhe afirmando outra coisa que não a lei. O advogado deve lhe dizer uma palavra de verdade, o cliente aprovando ou não, pouco importa. O historiador é um pouco a mesma coisa. As associações de ciganos solicitaram para nós um estudo sobre a deportação de ciganos, na França, para campos de concentração durante a Segunda Guerra. Pretendiam saber qual o número de mortos, uma vez que fazíamos referência somente aos judeus. Na Europa, houve, aproximadamente, trezentos mil ciganos mortos. Contudo, fizemos uma investigação nos arquivos e concluímos que na França não ocorreu deportação de ciganos. Foi uma descoberta estarrecedora. Na verdade nós “caminhávamos” sobre idéias imprecisas. Antes de nos reunirmos com as associações de ciganos para lhes informar do resultado da pesquisa, nos reunimos, ao longo de uma hora, discutindo sobre como iríamos informá-los. Pois bem, informamos acerca dos resultados da investigação, a qual não foi muito bem recebida. Mas nunca fomos desmentidos. Entendo que este exemplo ilustra algo extremamente importante. Você me colocou uma questão sobre teoria e eu lhe dei uma resposta sobre a ética e epistemologia. Desculpe, eu não sou um teórico.

Tempo e Argumento - Para a construção da História do Tempo Presente os pesquisadores dispõem de um vasto acervo documental onde se destacam as fontes orais e as audiovisuais. O que estes acervos trazem de novo para a escrita da História do Tempo Presente?

Henry Rousso – As fontes orais estavam na origem da História do Tempo Presente. Quando me perguntavam na época: ─ muito bem, você quer uma História do seu próprio tempo enquanto historiador, mas isso quer dizer o quê? Isso quer dizer que nós somos confrontados e nós vivemos no meio de pessoas que possuem uma história. Nós mesmos, nós temos uma história. Portanto, nós iremos nos interrogar e nos interessar por uma história que corresponde, aproximadamente, à duração de uma vida humana. Estávamos em 1980, então, consideramos que os estudos que enfocavam o período anterior a 1900, não dispunham da “palavra-viva”, isto é, testemunhas vivas. Isso é uma base, não é um método, são dados de base. Em seguida, nós nos propusemos a utilizar essas testemunhas e a transformar os seus depoimentos em fontes documentais para o historiador. Não chegou a ser uma novidade, pois os sociólogos faziam isso há mais de trinta, quarenta, cinquenta anos. Mas nós recuperamos os métodos dos sociólogos e começamos a fazer algumas coisas um pouco diferentes. Os sociólogos, geralmente, se interessavam por mecanismos em curso. Nós nos interessávamos por mecanismos do passado. Portanto nós procurávamos alguém não para saber o que ele fazia, mas o que ele fez. Nesse momento, as questões sobre a memória se colocam. As fontes orais foram para nós o primeiro grande problema a contornar. Tínhamos um obstáculo teórico e um obstáculo com as nossas primeiras fontes documentais. Para mim, isso foi e é uma das coisas mais apaixonantes com que me deparei, ou seja, confrontar-se com “a palavra” de outra pessoa. Esta é uma das grandes características a contrariar afirmações que dizem ser a História do tempo presente igual a todas as outras. Desculpe-me, mas compare com a História Medieval: não vai aparecer ninguém, nenhuma testemunha viva para dizer que o que você escreveu é um absurdo. Eu passo meu tempo a escrever coisas. Aparece então uma testemunha e afirma que estou equivocado. Talvez isso não seja grande coisa, mas é certo que não se pode escrever a História da mesma maneira. A imagem e as fontes visuais são diferentes e mais complicadas. Tivemos aqui no IHTP uma corrente que, na atualidade, ganhou em importância. Hoje nós vivemos em um mundo de imagens, algo evidente, mas não nos anos de 1980, onde nós sentíamos, tentávamos entender, mas não sabíamos muito o que fazer com isso. A grande interrogação foi a seguinte: a imagem é uma fonte documental? Está no mesmo nível de importância das fontes escritas? Como abordar as imagens? Podemos analisar por escrito as imagens? Poderíamos utilizar as imagens para tratar das imagens, por exemplo, fazendo filmes nós-mesmos? Temos um historiador conosco, que se chama Christian Delage, que muito utilizou desses recursos. Bem, isso foi a origem das reflexões em torno da imagem. Hoje em dia, a imagem ocupa grande importância entre nós. Atualmente, se um historiador do contemporâneo afirma que as imagens não lhe interessam, seria o mesmo que se um historiador do período moderno dissesse que a pintura não lhe interessa ─ como se dissesse: quero entender a História Cultural do século XVIII, mas a pintura não me interessa. É um pouco isso. Então, é como querer ser um historiador cultural do século XX e o cinema não lhe interessar. Enfim, a única questão que permanece um enigma é saber se temos as ferramentas para decodificar as imagens e isso ainda é um domínio específico. Os historiadores do tempo presente sabem, de uma forma geral, conduzir uma entrevista, contudo, não sabem decodificar as imagens. Temos um abismo entre os que são especialistas no tratamento da imagem, por exemplo, conhecedores da semiologia e aqueles que não detém este conhecimento. Entendo que uma das questões centrais para o futuro da História contemporânea reside aí: sermos capazes de popularizar estas ferramentas de compreensão para todos os historiadores. Não para os especialistas do cinema. A proposta é propiciar para um doutorando que trabalhe com a comemoração do dia 11 de novembro (4) a aprendizagem da decodificação de imagens, já que há vinte anos essa comemoração é essencialmente imagética. Para compararmos, se ele não souber ler as imagens será como se ele não soubesse ler os arquivos com documentação escrita.

Tempo e Argumento - Em relação à historiografia, quais são as diferenças existentes entre a História do Tempo Presente produzida na França e em outros países da Europa (Espanha, Alemanha, etc)?

Henry Rousso – Eu já respondi anteriormente. Eu compreendo que não há mais historiadores franceses, alemães, brasileiros, etc. Há ainda uma historiografia nacional e, aqui, na França, isso é visível. O que faz Nicolas Sarkozy? Vai inaugurar em 2010 um museu de História da França. Francamente isso não é nada inovador. Por outro lado, não há mais um “historiador francês”. Ok, quando eu participo de um colóquio internacional e falo sobre o nazismo as pessoas ouvem que o meu inglês tem um forte sotaque francês e que, talvez, eu faça referência a alguns autores franceses. Mas globalmente, não há mais uma enorme diferença em comparação aos meus colegas alemães, italianos e americanos. Eu não posso afirmar que não existem mais diferenças, mas em todo caso é o objetivo. Em Ciência Política ou em Economia utilizam-se modelos que não são necessariamente nacionais. Na História é o contrário. Tenho certeza que no Brasil 80% dos historiadores investigam temas recolhidos da História do Brasil. Na França não é diferente e vivemos, hoje, uma nova onda nesse sentido. Antes tínhamos a escola de historiadores do mundo hispânico, que há vinte ou trinta anos atrás eram muito mais representativos do que atualmente. Ou então os historiadores americanistas, estudiosos dos Estados Unidos, são raríssimos. Agora, sobre o mundo alemão, russo-soviético e dos países do Leste, estamos bem servidos de historiadores. Portanto para responder à questão, eu entendo que existe ainda uma maneira nacional de fazer a História contemporânea, o que eu deploro. Mas, ao mesmo tempo, temos verdadeiramente uma tendência de proceder de outra maneira. Com outros dois colegas eu dirijo, nesse momento, uma coleção abordando a História da França, desde Hugo Capeto (5) aos nossos dias. Eu me ocupo do período contemporâneo, isto é, dos séculos XIX e XX. Eu solicitei aos historiadores que façam uma História da França que não seja francesa. Ou seja, tentem imaginar que determinadas coisas que parecem específicas à França talvez não seja. Por exemplo, a Revolução Francesa. Sim, foi um grande acontecimento, mas nós não fomos os primeiros, houve outras antes e tão importantes quanto. Como escrever a História da França a partir de 1945 ou de 1914? O que vamos dizer: que a experiência do soldado francês nas trincheiras é única? Isso não quer dizer que eu desejo o desaparecimento da História nacional, não é isso. Compreendo que o papel de um historiador é o de mostrar temporalidades e escalas diferentes. Ou seja, não há somente um olhar sobre a História. Nós podemos estudar Joana d’Arc a partir de um ponto de vista estritamente nacional. Nós podemos estudá-la de um ponto de vista estritamente antropológico, estritamente social e para ajudar a entender o que é o nacionalismo não somente na França, mas por todo lado. Existem múltiplos olhares possíveis sobre Joana d’Arc. É isso o que me interessa na História. Esta multiplicidade faz com que eu me sinta à vontade na História. Eu sempre recusei em outros debates, o fato de historiadores utilizarem categorias jurídicas para debater questões como o genocídio, entre outros. Eu não abro mão da minha liberdade. Eu quero ser capaz de apresentar uma determinada visão própria sobre um problema. Talvez seja um pouco pretensioso de minha parte, mas entendo que este seja o futuro da disciplina histórica.

(1) Governo instituído na França sob a ocupação alemã entre 1940 e 1944.
(2) Holocausto
(3) Franceses que cooperaram com as forças de ocupação alemãs durante a Segunda Guerra Mundial.
(4) Feriado nacional na França, tendo em vista a assinatura em 11 de novembro de 1918, do armistício que decretou o fim da Primeira Guerra Mundial.
(5) Rei dos Francos entre 987 e 996 d.C. Primeiro soberano da Dinastia Capetíngia, que permaneceu no poder por mais de oito séculos e originou linhagens de soberanos na Espanha, em Portugal e no Brasil.

Entrevista de Silvia Maria Fávero Arend e Fábio Macedo para a revista Tempo e Argumento Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 201 – 216 jan./jun. 2009 (fonte)

Tony Judt (2010)

Kristina Božič: Europeans fell in love with Obama even before he became president. At the same time we are hardly aware of who our new president is, the president of the EU. The feelings aren’t reciprocal, are they?

Tony Judt: Enthusiasm for Barack Obama in the US was initially huge, but it had a very domestic dynamic, it was a story about how America could elect a black person only 150 years after slavery, 40 after segregation ended. It meant – though this was a little too optimistic – that we were finally ready to put an end to the race question. That he would change policies, present a new face of America, bring an end to the Bush era and begin a new relationship between America and the world: these considerations mattered only to a small number of people. Here is the asymmetry between American and European expectations: Europeans believed there would be a radical improvement, a moral regeneration of US foreign policy; they are disappointed, or will be, because this isn’t going to happen. Americans’ expectations were partly fulfilled by Obama’s election itself. It was bound to be disappointing from there on: the first black man to be elected president of the United States was never going to be an out and out radical, a wild, courageous, path-breaking liberal or social democrat.

Obama is none of these things. He is a compromiser, constantly trying to build a bipartisan relationship between the Republicans and the Democrats. Furthermore, it might have been more obvious in the US than in Europe that Obama was very distinctly part of the American tradition of rhetoric. He is a great speaker, a great mover of crowds and, in a way, a great manipulator of morality and ethical ideals. This tradition goes from Adlai Stevenson all the way back to Abraham Lincoln and on. What Obama is missing is the ability to channel his rhetoric into political strengths. The danger we Americans see is that he will be weakened by the gap between his rhetoric and his actions. This is true for his policies in the Middle East, and to an extent also for his response to the economic crisis. Europeans don’t see this yet. Therefore the disappointment here is much greater, but I fear it will grow in Europe too.

As for your president, the president of the European Council, Herman Van Rompuy, I am probably one of the 20 people in America who know his name. His appointment, like that of Catherine Ashton, the EU’s new High Representative for Foreign Affairs, is a catastrophe. It’s often said that Europe will continue to be unable to translate its economic power and its very big and positive institutional example into political power in the world. Choosing weak representatives certainly won’t help; it also indicates an intention to keep the EU from becoming a powerful actor. It didn’t happen by accident. The people who were most active in this choice were the most powerful people in Europe: Merkel, Sarkozy and Gordon Brown. With the new constitution of the EU two possibilities were opened. Because the executive power was largely dependent on how the representatives were chosen and who they were the executive power could be either very strong or very weak. We went for the weak option. Personally I think it is a disaster.

KB: But isn’t Europe’s suspicion of strong leaders understandable from a historical point of view?

TJ: I don’t think Sarkozy and Merkel sat down in Brussels and said: ‘Oh, dear, think about Stalin. We should have weaker leaders: it will be better for our democracy.’ It’s more likely they said: ‘Look, we need figureheads who won’t trample on our separate French, German or British policy objectives. If we have weak, symbolic representatives, the real power will remain with the big states.’

If too much time is spent worrying about not repeating the mistakes of the past, being very careful not to have authoritarian leaders and so on, Europe will be left staring at itself, saying: ‘My gosh, we are good people. We have wonderful institutions, great welfare systems, prosperity; we are more civilised than America, we do not have the death penalty, we know how to deal with immigrants, we don’t behave badly to outsiders, we don’t go around attacking other states, we are a very good continent. And others will listen to us.’ If we do this we shall be very nice and very ineffective. When I used to travel a lot people would say: ‘Tell us, please, tell us about the European Union. It is such a wonderful thing with nation states and transnational institutions, with its laws, courts and union regulations that people obey. How can we do it? How do you get from World War Two to Maastricht and the EU?’ Europeans don’t understand that this is an astonishing historical precedent.

KB: In a recent essay you call for a ‘social democracy of fear’. But hasn’t the ‘war on terror’ of the last eight years shown just how dangerous appeals to fear are? When can fear be good?

TJ: I wouldn’t want to claim that there are good fears, but good and bad uses of fear are possible. The bad uses are clear. There is the demagogic exploitation of fear of outsiders and strangers, which culminates in putting up barriers against immigration, refugees or exiles. The sense that things are out of control, that we may lose our jobs next year because of competition from China or India, or that some farms may become unworkable in five years’ time because of climate change, has been intensified by globalisation, and it has given rise to large, unspecific fears which are played on in America by people like Sarah Palin, or in Denmark by the anti-immigrant party, or in Switzerland with the referendum against minarets. These fears may breed nationalism, patriotism, preventive wars and repressive anti-terrorist legislation, but in the end it’s just excessive state power. It can’t save you from terrorism, which is a political problem; it can only create a too powerful state. This can happen in very open democracies.

Britain has more closed-circuit television cameras, which keep a record of almost everyone’s movements everywhere at all times, than any other democracy in the world. In the old days we would have seen this as an unacceptable intrusion on personal freedoms, yet today it’s accepted because people are frightened of crime, outsiders, terrorism. We no longer have a choice of a wonderfully happy and prosperous, secure and stable future: this isn’t Sweden in 1965. That’s why I propose a social democracy of fear. We will have to have active interventionist states protecting us against things that frighten people: states controlling changes so they don’t get out of hand or create a political backlash. Why not face up to this challenge in the name of a progressive state with collective objectives and purposes, which preserves institutions that give us a sense of shared identity and values? We are going to have to find a new language in which to express the role of the state in this uncertain world. We have a choice to leave it to other people to come up with a language we won’t like or to come up with a language ourselves.

KB: In the introduction to ‘Reappraisals’ you write that people prefer to describe unpleasant political situations in language that makes them somehow more tolerable. In Iran people used to say they lived in a ‘limited democracy’, before it became clear just how limited it was. What kinds of linguistic subterfuge do we practise in Europe and America?

TJ: In America the misuse of language is usually cultural rather than political. People will accuse Obama of being a socialist. Italians would say magari – if only. However, no one takes this very seriously. What we have instead in the US is cultural communities policing what can and can’t be said, and that shapes how we define difference. The idea is that you can’t have an elite, since elitism is undemocratic and unegalitarian. Therefore, you always make the point that people are in some important way the same. If they are badly disabled like me, they are ‘differently abled’, which I find very amusing. It is not a ‘different’ ability: it is no ability. But since it’s politically uncomfortable to distinguish between people who can do things and people who can’t, the latter are described as separate but equal. There are numerous things wrong with this: first, it is lousy language; second, it creates the illusion of sameness or achievement in its absence; third, it conceals the effects of real power and capacity, real wealth and influence. You describe everyone as having the same chances when actually some people have more chances than others. And with this cheating language of equality deep inequality is allowed to happen much more easily.

In Britain the most striking abuse of language is the redefinition of private, for-profit economic activities as services provided by the state. A concrete example is the way private entrepreneurs were given the right to run old people’s homes. However, no one wants to spell that out, which is why they are described as ‘delivering’ the service, as if they were the milkman bringing milk to old people. It prevents people from fully grasping that the state has handed over its mandate of responsibility to a private actor, whose motivation is to provide the cheapest possible service and make the most money.

In France something else is happening, a kind of abusive reworking of republicanism. The old French ideal of egalitarian republicanism with no distinctions, no compromise with religion or localism, with everyone having the same opportunities, speaking the same language, living in the same France – an ideal that was invented in the late 18th century as a way to make a radical break with the Ancien Régime – is now used to paper over the disadvantages of young people, particularly if they are black or brown, from the suburbs or North Africa. The old egalitarian language has been transfigured into saying we all have the same opportunities, we are all equal, we will not talk about the fact that you are female and brown, or allow you to dress differently, because that would not be republican. This subterfuge enables very illiberal behaviour in the name of a ‘liberal ideal’.

KB: Some people have likened Europe’s involvement in places like Afghanistan to the colonial expeditions of the 19th century, when European conflicts were exported to Africa and Asia.

TJ: I always worry about analogies like that because people are then tempted to say: ‘My gosh, it is exactly like that.’ There is an analogy, but it’s only partial. From the 17th century until the 1940s, even the 1950s, Europeans mostly dealt with each other in very small, limited wars and exploited non-European peoples, either on their frontiers or overseas, in extremely violent ways, starting in South America and going on to the Belgian Congo. The behaviour towards non-Europeans was always vastly worse than even towards the most hated European enemy. All this changed in the 20th century, when the behaviour towards other Europeans developed into a kind of internal colonialism. The treatment of Jews by Germans or of Ukrainians by Russians under Stalin was even worse than the Belgian treatment of the Congolese. This was a new phenomenon. Its shock value was such that after World War Two, with the very difficult exception of the former Yugoslavia, there was a sort of understanding that no European problem could be resolved by war – certainly not by allowing civilians to suffer the treatment they experienced between 1913 and 1950.

I don’t think the consequence is that Europeans have once again exported their conflicts of interest out of Europe. It is more passive than that and in a way worse. What we see is an utter lack of concern. Before the Yugoslav wars broke out in 1991 I was in Europe a lot, especially in Germany and Austria. I would talk to people and say: ‘This is going to be bad. This is serious. If you listen to what Milosevic is saying and watch what is happening in Serbia and Kosovo, there is going to be trouble.’ People would say one of two things. Either: ‘No, no, of course not, it won’t happen.’ Or: ‘So what? This isn’t our problem. We have no moral responsibility, they aren’t part of Europe.’ That is an ethically catastrophic position but not the same as active participation. It’s an expression of indifference.

When Bush was justifying the war in Iraq, he used a position that was very popular at the time in America: ‘We have to destroy them over there so that they will not come here.’ He talked as though there were two places in the world: here, in America, and there. As long as the problem is over there it is not here. Europeans can’t say that because their worst potential problems are right on their frontiers: Ukraine, Turkey, the Balkans, the Middle East, North Africa. The European attitude has therefore not been to export the problem and solve it over there, wherever that might be, because over there is too near. Even if Europe had an army and an air force it is unimaginable that it would attack Syria, just a few hundred miles from Europe’s borders. It is too dangerous. The real problem with Europe is that it says: ‘We will pretend this is not our problem.’ It is a much more serious defect than making a mistake. To wash your hands of someone else’s problems used to be seen as a major moral shortcoming. Now it is what Europe does.

KB: It’s been doing this for a long time in the case of Israel and Palestine, expressing disapproval of the occupation but doing almost nothing to bring it to an end. Is there anything Europe can do to exert pressure on Israel?

TJ: Israel wants two things more than anything else in the world. The first is American aid. This it has. As long as it continues to get American aid without conditions it can do stupid things for a very long time, damaging Palestinians and damaging Israel without running any risk. However, the second thing Israel wants is an economic relationship with Europe as a way to escape from the Middle East. The joke is that Jews spent a hundred years desperately trying to have a state in the Middle East. Now they spend all their time trying to get out of the Middle East. They don’t want to be there economically, culturally or politically – they don’t feel part of it and don’t want to be part of it. They want to be part of Europe and therefore it is here that the EU has enormous leverage. If the EU said: ‘So long as you break international laws, you can’t have the privileges of partial economic membership, you can’t have internal trading rights, you can’t be part of the EU market,’ this would be a huge issue in Israel, second only to losing American military aid. We don’t even have to talk about Gaza, just the Occupied Territories.

Why do Europeans not do it? Here, the problem of blackmail is significant. And it is not even active blackmail but self-blackmail. When I talk about these things in Holland or in Germany, people say to me: ‘We couldn’t do that. Don’t forget, we are in Europe. Think of what we did to the Jews. We can’t use economic leverage against Israel. We can’t be a critic of Israel, we can’t use our strength as a huge economic actor to pressure the Jewish state. Why? Because of Auschwitz.’ I understand this argument very well. Many of my family were killed in Auschwitz. However, this is ridiculous. Europe can’t live indefinitely on the credit of someone else’s crimes to justify a state that creates and commits its own crimes. If Zionism is to succeed as a representation of the original ideas of the Zionist founders, Israel has to become a normal state. That was the idea. Israel should not be special because it is Jewish. Jews are to have a state just like everyone else has a state. It should have no more rights than Slovenia and no fewer. Therefore, it also has to behave like a state. It has to declare its frontiers, recognise international law, sign international treaties and agreements. Furthermore, other countries have to behave towards it the way they would towards any other state that broke those laws. Otherwise it is treated as special and Zionism as a project has failed. People will say: ‘Why are we picking on Israel? What about Libya? Yemen? Burma? China? All of which are much worse.’ Fine. But we are missing two things: first, Israel describes itself as a democracy and so it should be compared with democracies not with dictatorships; second, if Burma came to the EU and said, ‘It would be a huge advantage for us if we could have privileged trading rights with you,’ Europe would say: ‘First you have to release political prisoners, hold elections, open up your borders.’ We have to say the same things to Israel. Otherwise we are acknowledging that a Jewish state is an unusual thing – a weird, different thing that is not to be treated like every other state. It is the European bad conscience that is part of the problem.

KB: You have insisted that Europe must remain outward-looking if it is to have any influence in the world. But this raises the question of Europe’s borders. How do we define Europe geographically? Are its borders the same as the EU’s?

TJ: There are no borders of Europe. Europe has always had a very fungible geography. Its borders were traditionally cultural, not physical. Europe and Christianity very closely overlapped except for the many hundreds of years when Muslims in Spain and in Eastern Europe had a very significant presence. The question therefore evolved and what mattered was the dominant, not the last border. People in Poland will tell you that they are the centre of Europe. But if this is true, then Russia is very definitely part of Europe. Presumably the same is true of Armenia and Georgia and Azerbaijan, some of which are, after all, very Christian and in many ways historically very closely connected with Central Europe. There were people who used to say: ‘Look, North Africa is Europe. The culture of Europe was more developed in what is today Libya or what is today northern Tunisia than it was in southern Spain. Those lands were part of the Roman Empire for a very long time. Many of the great European figures of the early Christian era came from Africa.’

These arguments lead nowhere. My answer is that Europe is a cultural space, which does not necessarily overlap with the EU as a physical space; otherwise there would be endless Israeli-style debates about where the frontiers should be. The EU is different, as it started its life as the European Economic Community with the idea that it was an open entity. Anyone could join if they conformed to the rules, the norms and the regulations. This was very easy to say in 1958 because most of Europe was in prison. You didn’t have to worry about whether you would have to take in Slovakia, because there was no risk, no prospect of that, thanks to the Russians. All you had to worry about were the wealthy countries of the West: either small, wealthy countries like Austria or big ones like Italy or Spain. After 1989 all this fell apart. The EU became legally, culturally and institutionally committed to expanding and accepting anyone who wanted to join from a space that could be recognised as Europe. Since no one defined that space, there was no limit. Turkey at the time was not a problem: first because in those years it was mostly a military dictatorship; and second, because it was on the other side of Yugoslavia and Bulgaria, and those two were not about to come into the EU.

Today we live in a very different situation. Europe is defined by the rules of the EU and its willingness to take in new countries. But already in the mid-1990s it was clear that no matter what anyone said in public, in private Brussels wanted to slow this process down, and if possible bring it to a stop. The reasons were very good, because the EU succeeded on the basis of genuine interstate co-operation, in which wealthy states or regions helped poor ones, and small new members could be forced to behave well. This was fine as long as the overwhelming majority of members were big and wealthy and the only likely new members were small, and either wealthy, or if poor, very small. When this changed in the 1990s, you started to hear people saying: ‘Wait a minute, Europe must be defined culturally, it must consider heritage: spiritual, architectural and linguistic heritage.’ This was simply a way of saying: ‘We can’t take in Muslims.’ Now, I did hear the Catholics say that Orthodox Christians can’t be accepted either. People would say this in Poland, in Croatia, to some extent in Hungary, but what they were really talking about were the Russians, the Serbs and the Romanians, not the Orthodox Christians in general. However, this could not be said openly, so once again the language was misused.

However, beneath it all there is a real problem. If you open Europe up to a very large number of very poor people, the system of transfers and subsidies will break down. Holland can subsidise Latvia for example, but it can’t be sustainable for Denmark to subsidise Turkey. This is real. Just as real is the question, if Turkey becomes a member, why not Ukraine? And that would be even more expensive. Therefore, the real limits of EU expansion are economic reality and, above all, political courage. If politicians are not willing to say why Turkey should be a member just as they won’t say why we should be tough with Israel, you can’t expect people instinctively to understand these issues. For the generation of politicians we have, it’s much easier to say Europe is full, we can’t expand, we have to worry about local issues, about protecting the welfare state, our traditions, the image of our cities or whatever. This is going to be the rhetoric of Europe in the future. It is no longer Christian, it is ‘Judeo-Christian’. It is no longer Catholic and Protestant, it is Catholic, Protestant, Orthodox. But I do not think that it is going to be Catholic, Protestant, Jewish, Orthodox and Muslim. The terrorist fears of the last ten years lend themselves all too easily to a Europe of limits rather than a Europe of expansion.

KB: If there seems to be one thing missing among today’s politicians, it is courage. It is considered idealistic, even naive.

TJ: Courage is always missing in politicians. It is like saying basketball players aren’t normally short. It isn’t a useful attribute. To be morally courageous is to say something different, which reduces your chances of winning an election. Courage is in a funny way more common in an old-fashioned sort of enlightened dictatorship than it is in a democracy. However, there is another factor. My generation has been catastrophic. I was born in 1948 so I am more or less the same age as George W. Bush, Bill Clinton, Hillary Clinton, Gerhard Schröder, Tony Blair and Gordon Brown – a pretty crappy generation, when you come to think of it, and many names could be added. It is a generation that grew up in the 1960s in Western Europe or in America, in a world of no hard choices, neither economic nor political. There were no wars they had to fight. They did not have to fight in the Vietnam War. They grew up believing that no matter what choice they made, there would be no disastrous consequences. The result is that whatever the differences of appearance, style and personality, these are people for whom making an unpopular choice is very hard.

Someone once said: ‘But Blair’s choice to go to war in Iraq was unpopular with the majority of the population.’ I agree. But what Blair was doing was going for a different kind of popularity – he wanted to show his strength. To do this he had to do something unpopular, yet something that cost him nothing. Doing something unpopular that may cost you your job is much harder. The last generation in America with such courage was probably the generation of Lyndon Johnson. In a funny kind of way Thatcher, whom I certainly do not like, had courage. However, she fits the description of naive and idealistic; I don’t like her ideals, her naivety was a disaster, but it’s still a fair description. Today it is a criticism to describe a politician as idealistic. This is in a way a new phenomenon and it too is born from the fact that Europe has not been involved in wars that would demand the mobilisation of the whole population for over 60 years now. The last time there was such a sustained period of peace was probably the early Middle Ages. Traditionally leaders rose to power through wars or conquest. We have had six, seven generations of leaders who came to power exclusively by political manoeuvring, which is historically very unusual. It’s like inbreeding: there are no external inputs, no new kinds of people, only the political class breeding itself. This isn’t an argument in favour of war, just a historical fact.

KB: In ‘Postwar’ you argue that Europe’s singularity lies not in its laws but its way of life. I live there but do not know what that is.

TJ: Every time an opera company comes from Paris or Lyon to Ljubljana, you live the European way of life. The opera house is subsidised either by the country sending or receiving it, or by Brussels. The people who work in it all have contracts, health and pension benefits, unemployment benefits, security that no American company gives to any of its dancers or singers. In America they pay them more but they give them none of the benefits or protections. The European way of life is when you travel on trains rather than having to drive a polluting car or take a polluting airplane for a relatively short distance, because you have subsidised public or semi-public transport. Yet you assume this is the normal way to commute certain distances. The EU and its members discourage you from using your car with high gasoline prices and taxation. The European way of life is that you can speak English and feel just as comfortable in Brussels, Barcelona, Geneva, Vienna, London as anywhere else because you are a citizen of a larger space than the space where you started out and which defines you only narrowly. I suppose above all the European way of life is that the risks you run in your professional life are to some extent reduced by guarantees, for example of state support in the event of losing your job. This creates a sense of a space where you are safe. From America it is easy to see the difference as this is a space where you can do very well or very badly but it’s not a space where you feel safe.

KB: But with the onset of the economic crisis full-time employment for the young is harder to come by, benefits are limited, insecurity is growing.

TJ: Most European legislatures favour people already in jobs and who have been in jobs the longest. Therefore the victims are those who have come last. It is a strategic decision taken many years ago and it was made both for electoral reasons and because looking after unemployed old people is much more expensive. If you are 45 years old and you have not got a job, you probably have children and have lost a big salary, so the state has to pay much more for you. Therefore the state protects older people and the young are the victims of that choice. Trade unions do the same thing for their own reasons. In that sense young people from Eastern Europe today are victims twice over. First, they are young and come from countries that joined the EU late. The early member countries did enormously well out of their membership with subsidies, transfers, job creation schemes. With the new member countries there was less to go around and they were given less. The result is that the benefits of the European way of life are now much less than they were 20 years ago. This is not a consequence of economic inevitability, but of bad political decisions, bad choices on taxation, investment and bad timing of membership.

Can it be different? Of course. We return to the question of political leadership. One of the most expensive programmes in France, the retirement system for railway workers, was established in the years after World War Two. Its powerful Communist trade union negotiated a very good deal, particularly for train drivers. They could retire at the age of 54 on full salary until their death. At the time it was a very reasonable deal. These men normally started working when they were 13, and they had been working on steam trains all their life, which was physically difficult and dangerous work. When they reached 54, they were exhausted. Their life expectancy after that was about eight years. The pension was therefore not all that expensive for the state. Today their sons and grandsons have the same deal. But they leave school at 16, they go to work on the TGVs, where they sit on comfortable chairs, air-conditioned in the summer, heated in the winter, and the most demanding thing they do is push a button; they retire at 54 on full salary and their life expectancy is another 24 years. It is now a ridiculously expensive programme. But it would take political courage to say: ‘Look, the circumstances have changed. We still believe you should retire on a good pension, but not at 54. We can do it at 64. You don’t like it? Get a different job.’ It is a politically difficult decision, but it’s not a sign that there is something wrong with the principle of the social-welfare state. What makes it a problem is the lack of political courage. The reason it was affordable for so long is that Europe was incredibly wealthy relative to its expenditure. After World War Two it was a very young continent with a booming economy and could afford to pay itself. Legislation did not always line up but it did not matter. You just covered the costs somehow. This is no longer true. However, Europe is still incredibly wealthy. There is no reason why people should not be able to live very good lives within the EU, in the private and public sectors, young and old. It is a question of political decisions.

KB: In Greece, we saw mass protests, aimed in part at a neoliberal economic system that has generated increasing inequality and has left young people feeling they have no prospects. Yet there seemed to be an enormous disconnect between the protesters and their government, and an even greater one with Brussels. How have we reached the point where people on the streets don’t matter?

TJ: Part of the answer is that this is just as true in big countries. In London there were two million people protesting against the Iraq war, but the government took no notice, and it made no difference at all. So the disconnect is universal. Why? It would be hard to give a complete picture. However, what we might call a ‘connect’ only lasted for a very short time. It began in the late 19th century with mass newspapers, mass literacy, speed and ease of communication and, especially, trains. Governments were forced to be very responsive to popular feeling. They felt very vulnerable. Elections could remove them from power and if elections didn’t work, then the masses on the streets might achieve the same result. After World War Two governments retreated from politics. The French economic plan, for example, was not decided by the parliament, but by administrators and bureaucrats. The EU was institutionally invented by bureaucrats. The first elections were held only in 1979. Until then there were no elections, no polls, no votes, nothing. There was a feeling, partly a consequence of Fascism, that you couldn’t trust mass opinion any more. It was not reliable. Not only were the masses willing to throw you out, they might be willing to overthrow the whole system. Steadily from the 1950s onwards the influence of the street, of the media, newspapers, public opinion, of ideology, was pushed further and further away from the actual decision-making processes. In the end it wouldn’t matter very much anymore if you threw out the government since it wouldn’t change the fundamental policies, institutions, laws of the country or direction of the majority of the issues of public policy.

It’s only now that we are really seeing the results of a process that has been going on for a long time. Much of the 1960s, which I remember as a student, was about the argument that governments were losing touch with popular opinion and preferences, particularly with the young, and that the only way to reconnect was on the street. Now we are realising that even that doesn’t work anymore. The old ways of mass movements, communities organised around an ideology, even religious or political ideas, trade unions and political parties to leverage public opinion into political influence – they are no longer there. Yet you need those levers. Without them people jumping up and down on the street do nothing. They don’t matter even if they are in the capital and even if there are millions of them. We destroyed the levers of popular politics or allowed them to be destroyed. We are left with people as individuals, and when people come together as individuals they can only come together either to do one big demonstration or to communicate through the internet as verbal pressure groups at an election. The combination of the physical mass and political leverage has been lost.

KB: You’ve written that an idea of radical progress crumbled with the fall of the Berlin Wall and the collapse of Communism in Eastern Europe. If we can no longer believe in the inexorable laws of history, or the certainty of a socialist future, on what basis can a progressive politics be established?

TJ: I think what we need is a return to a belief not in liberty, because that is easily converted into something else, as we saw, but in equality. Equality, which is not the same as sameness. Equality of access to information, equality of access to knowledge, equality of access to education, equality of access to power and to politics. We should be more concerned than we are about inequalities of opportunity, whether between young and old or between those with different skills or from different regions of a country. It is another way of talking about injustice. We need to rediscover a language of dissent. It can’t be an economic language since part of the problem is that we have for too long spoken about politics in an economic language where everything has been about growth, efficiency, productivity and wealth, and not enough has been about collective ideals around which we can gather, around which we can get angry together, around which we can be motivated collectively, whether on the issue of justice, inequality, cruelty or unethical behaviour. We have thrown away the language with which to do that. And until we rediscover that language how could we possibly bind ourselves together? We can’t come together on the basis of 19th or 20th-century ideas of inevitable progress or the natural historical progression from capitalism to socialism or whatever. We can’t believe in that anymore. And anyway, it can’t do the work for us. We need to rediscover our own language of politics.

Entrevista de Kristina Božič para a revista London Review of Books Vol. 32 Nº6 de 25 de Março de 2010 (fonte)