Imagem de Pedro Ruiz - Le Devoir |
Membro do Board of Directors of the Canadian Association of Arts Administration Educators desde 1986, o Professor Colbert consegue ainda conciliar todas as suas actividades com uma vasta experiência profissional nos sectores público e privado, trabalhando como consultor de empresas, associações e governos.
Da sua vasta obra publicada, destacam-se os livros Le marketing des arts et de la culture (considerada a obra fundamental neste domínio), La gestion dans les médias, em colaboração com Cynthia Fortin, La population active du secteur culturel: bibliographie analytique et sélective, em colaboração com Benoît Légaré, Le marketing des arts d’interprétation: bibliographie, em colaboração com Chantal Pelletier e Diane Perrin, ou ainda La commandite dans le domaine des arts et de la culture: bibliographie, em colaboração com Normand Turgeon.
Qual é actualmente a importância de um ensino universitário da gestão cultural?
Em primeiro lugar, de há uns anos a esta parte, tem-se assistido a uma grande mudança nas estratégias do marketing da cultura. Existe um mercado maior e uma cada vez mais visível afirmação das organizações que fazem o marketing das artes, por oposição a todas aquelas que, por exemplo, se dedicam à venda de bens de consumo. Na essência estamos a falar de um artista que cria alguma coisa, e o papel dos estudiosos do marketing da cultura é precisamente o de encontrar um mercado onde as suas obras possam ser apreciadas. Dada a proliferação da oferta cultural nos dias de hoje, torna-se essencial uma especialização neste domínio.
A que públicos é que este estudo do marketing das artes deve ser dirigido? Alunos de Economia? Alunos de Comunicação Social ou Publicidade?
Na minha opinião poderá ser dirigido a qualquer um, desde que tenha uma verdadeira paixão pelo mundo artístico. Trata-se de um campo difícil, dado que, quando falamos de artes, a “estrela” não é o cliente e sim o artista. Ao contrário do que acontece no marketing tradicional, onde temos em mente
a venda de produtos de consumo que satisfaçam as necessidades dos consumidores, no campo das artes tudo se inverte! O papel do manager das artes deverá ser o de colocar no mercado os sonhos do artista que representa. Nós não podemos exigir ao artista alterações nas suas obras para que estas possam agradar um público mais vasto; temos é de encontrar as pessoas certas, aquelas que dêem à obra de arte o valor que ela merece. Se no marketing tradicional o CEO é a figura que assume maior protagonismo, no cultural é o artista.
E, enquanto marketeers, só poderemos divulgar o seu trabalho se nos apaixonarmos por ele, dado que a nossa remuneração é muito mais psicológica do que económica. A satisfação de fazer que as coisas aconteçam, de tornar o projecto do artista uma realidade visível no mercado, é a principal motivação
do marketeer cultural.
O que devem então fazer os profissionais do marketing das artes para promover as obras dos seus artistas?
Primeiro há que fazer uma distinção entre a chamada arte popular e a arte mais erudita. A primeira está mais associada a um produto tradicional, é mais fácil de ser vendida, dado que atrai todos os tipos de público, independentemente da sua condição social ou grau académico.
Quando pensamos em concertos sinfónicos, exposições de arte contemporânea, dança ou teatro, parte-se do produto, tendo por preocupação arranjar o mercado ou segmento certos para ele. É inútil tentarmos chamar pessoas ao teatro que não tenham qualquer interesse pela representação, elas só ficarão ainda mais desiludidas. Por isso o papel do marketing para grandes massas aqui não faz qualquer sentido! Nas artes não podemos mudar o produto tendo em mente as preferências do nosso potencial consumidor. Daí que, volto a sublinhar, é fundamental encontrar o público certo, que geralmente é muito mais pequeno do que o segmento-alvo da cultura popular.
Qual deve ser o papel do Estado na cultura?
De um modo geral, as pessoas encaram a arte como um serviço público. A produção artística per se assume um valor particular para a maior parte dos cidadãos. Acontece que nem toda a oferta cultural poderá sobreviver no mercado e, como nem todos os artistas conseguirão vingar no mundo artístico, há a percepção de que nós, enquanto sociedade, deveríamos investir colectivamente na divulgação e subsídios dos seus trabalhos, pois, para nós, conseguir receber os reflexos dessa arte que nos traz constantemente uma percepção diferente da realidade é sempre um valor acrescentado.
Entende que existem diferenças entre os eventos culturais patrocinados pelo Estado e todos aqueles que têm por sponsor uma entidade particular?
Quando falamos de patrocínios privados, parte-se do pressuposto de que a entidade patrocinadora se identifica com o projecto artístico e que, por essa mesma razão, decide incentivá-lo, apoiá-lo. No Canadá, por exemplo, o consumidor entende que deve ser o Estado a apoiar os museus, sendo que, quando se trata de um financiamento privado, é da opinião que este deverá existir, não por razões comerciais ou de promoção de imagem, mas tão simplesmente por solidariedade com o artista. Se, pelo contrário, for uma forma de arte mais popular, o canadiano já não se importa que a empresa patrocinadora use a publicidade para se promover a si mesma enquanto promove a obra de arte.
Hoje em dia, devido à diversidade da oferta, é cada vez mais comum vermos a banca tradicional associada à arte mais tradicional. Paralelamente, existem certas empresas que, por quererem assumir-se como diferentes, se associam mais à arte contemporânea. Ou seja, também aqui poderemos falar de uma pluralidade, desta vez de patrocinadores.
Devo acrescentar ainda que a questão da falta de subsídios para a cultura é uma constante em todos os países industrializados. Todos eles sofrem do mesmo tipo de dificuldades, não só em termos de verbas que possam patrocinar os espectáculos, como em termos de público, que, na maior parte dos casos, é manifestamente insuficiente. É errado pensar que a situação em Portugal é diferente da que existe em França, nos Estados Unidos ou no Japão. Nestes e noutros países a situação precária da cultura é uma realidade mais ou menos preocupante.
Se lhe fosse pedido para dar três razões para que o Estado apoiasse a cultura, quais seriam as mais importantes?
A primeira razão é aquela que já mencionei anteriormente: pela diversidade da oferta. Em segundo lugar, penso que alguns dos nossos artistas são como os grandes filósofos. Os seus pensamentos levam a que a sociedade evolua, trazem-nos sempre uma interpretação diferente da realidade. Por vezes, são muito críticos dos valores que defendemos como os mais certos, são cépticos acerca dos nossos modos de vida, por isso é sempre útil conviver em sociedade com uma multiplicidade de opiniões. Não penso que o Estado deva apoiar a arte segundo o argumento de que, sem os seus subsídios, a arte não sobrevive. O Estado deve exercer um papel importante no apoio à cultura porque esta deve ser encarada não como um custo, mas como um benefício para a sociedade, por adoptar constantemente um discurso diferente que só nos enriquece.
O que é que um manager cultural vende? Artistas? Produtos? Experiências?
Vende sobretudo experiências. Podem ser intelectuais, emocionais ou mesmo físicas, mas são, antes de tudo, experiências. Há quem procure preencher com as artes a sua sede de conhecimento. Este tipo de consumidor é geralmente aquele que procura benefícios culturais directos no produto artístico. Para o conseguir, visita um museu, de modo a poder aprofundar conhecimentos sobre esta ou aquela civilização, sobre este ou aquele movimento artístico. Existe depois aquele segmento que procura preencher certas necessidades simbólicas, algo que está relacionado com o entendimento psicológico que o produto tem para a pessoa em causa (o deslocar-se, por exemplo, à ópera, não por gostar deste estilo musical, mas para ser visto na ópera). Temos ainda todos aqueles que vêem nas artes a fórmula mágica de satisfazer as suas necessidades mais emocionais. Neste caso particular estamos a falar de indivíduos que procuram a evasão, a fuga aos problemas no emprego e às rotinas. Este tipo de pessoas geralmente opta, por exemplo, por deslocar-se a parques temáticos.
Seja qual for a necessidade, há contudo uma certeza: a maior parte das pessoas hoje em dia sai de casa para ir passear, e não propriamente para ver uma exposição. Esta atitude enquadra-se muito na indústria do lazer que temos actualmente. As pessoas têm gostos muito diferentes. Gostam de desporto, mas também gostam de viajar, gostam de passear ao ar livre, gostam de ir para os centros comerciais, daí que saiam simplesmente de casa para viver experiências diferentes. E é aqui que a arte cumpre actualmente o seu papel: ela é uma experiência diferente.
Na sua opinião, qual entende ser a arte mais difícil de promover?
Qualquer forma de expressão contemporânea, dado que precisa de um mercado muito específico para a apreciar devidamente. Quando falamos de arte contemporânea não é só o sentir ou a beleza da obra que estão em causa, mas também as nossas capacidades intelectuais para entender a mensagem do artista.
Arte contemporânea é “intelecto”, é reflectir sobre a sociedade em que vivemos, chegando mesmo a assumir um discurso filosófico, daí que sejam poucos aqueles que verdadeiramente gostam deste tipo de abordagem. Já no campo da arte dita popular temos muito mais pessoas interessadas! Comparemos, a título de exemplo, o número de pessoas que vai assistir a um filme norte-americano no cinema ou que vai a um concerto de rock, ao número e indivíduos que, no mesmo dia, decide visitar uma exposição num museu.
A arte contemporânea nunca poderá ser tão lucrativa como a arte mais clássica, pois ainda não há uma abertura suficiente de mentalidades sensível à novidade, à inovação.
Então como é que poderemos vender a arte contemporânea?
Mais uma vez, temos de encontrar o mercado certo, prepará-lo e levá-lo até à obra de arte. Temos de estudar os seus hábitos de leitura, o que gosta de ouvir, o que verdadeiramente o entusiasma, e só depois estabelecer uma comunicação própria com o nosso consumidor cultural.
E quem é geralmente esse consumidor?
Se tivermos em mente a arte dita erudita, são todos aqueles que tiveram alto níveis de educação ou instrução. São pessoas cuja família e escola os educou para o gosto pelas artes. De um modo geral, esta apetência forma-se até aos 20 anos de idade. Será pois muito difícil arrastar alguém de 50 anos que nunca teve grande contacto com a música clássica a um concerto de uma orquestra sinfónica, por exemplo.
Quanto mais contemporâneo for o estilo de arte, mais formação terão os nossos consumidores (70% a 80% são licenciados). As mulheres são o nosso principal target, mas também depende muito do tipo de arte. Na dança, por exemplo, talvez 70% a 75% do público seja feminino, nos concertos de música
clássica não há grandes distinções, no jazz temos mais homens na assistência, enquanto nos museus e no teatro temos dois terços de mulheres como consumidoras.
Quanto a hábitos de leitura, temos mais mulheres a ler romances e mais homens a ler jornais. Relativamente ao sector cinematográfico, existem dois grandes segmentos: aquele que engloba pessoas entre os 15 e os 25 anos; e outro que reúne pessoas com idades superiores a 25 anos. E já que falamos em idades, devo acrescentar que, na música clássica, no bailado e no teatro teremos tendencialmente um público mais velho, enquanto no jazz e na dança contemporânea existe uma audiência mais jovem. Mais uma vez, o tipo de consumidor varia muito consoante o tipo de arte que lhe é oferecido.
No que toca à arte mais popular temos um público-alvo mais vasto, falamos então da população em geral, independentemente do seu grau académico ou da sua origem geográfica ou social.
Se, tradicionalmente, o público feminino é o principal consumidor de arte, porque foi desde a infância mais educado para a cultura, qual a razão de existirem mais artistas masculinos no mercado?
Porque tradicionalmente era mais fácil para os homens ingressarem no mundo artístico. Para as mulheres era inaceitável. Se escolhiam, por exemplo, ser actrizes, tendiam a ser mal aceites pela sociedade. Mas esta visão, nos dias de hoje, é cada vez menos recorrente, por isso é que, cada vez mais, vemos mulheres como actrizes, coreógrafas, maestrinas. E eu creio que esta mudança de
mentalidades talvez se deva ao papel que as artes, com as suas visões alternativas de vida, têm vindo a desenvolver na sociedade.
Numa das suas obras dá particular destaque à crítica: qual é verdadeiramente a sua importância? As pessoas seguem, de facto, as opiniões dos críticos de arte?
As pessoas que costumam seguir a opinião dos críticos sobre determinados espectáculos, filmes ou exposições são geralmente pouco autoconfiantes, ou então entendem que, por terem pouco tempo ou dinheiro, devem fazer a escolha certa. Ao invés, as pessoas que percebem de arte preferem saber a opinião dos críticos após o visionamento dos eventos, para poderem comparar. Se a crítica é bem conceituada e unânime, pode dizer-se que influenciará a afluência das pessoas; se se divide, o efeito causado é muito menor; se pensarmos, finalmente, em críticos desconhecidos, o feedback é nulo.
Considero mais importante, por exemplo, o fenónemo do “boca-a-boca”. Somos mais levados a ver um filme ou uma peça de teatro se os nossos amigos ou familiares tiverem dito muito bem dos mesmos. No caso do cinema, por exemplo, ainda temos outro factor que pode ditar as nossas escolhas: se o filme for realizado por um cineasta de que gostemos muito, ou se do seu elenco constarem os actores ou actrizes da nossa preferência, será sempre mais bem acolhido.
Portugal é conhecido como sendo um país com uma história vastíssima e, consequentemente, uma cultura bastante rica. Todavia, essa cultura não é bem preservada internamente, sendo pouco divulgada internacionalmente. Assim sendo, como é que poderíamos construir uma marca nacional
baseada na arte e cultura portuguesas?
Primeiro, temos de pensar muito bem no que temos de oferecer. O mercado do turismo está a expandir-se cada vez mais, e a principal razão que leva as pessoas a viajar para outro país é precisamente a sua necessidade de conhecer diferentes culturas. Para se posicionar no mercado internacional, Portugal tem de juntar pessoas e instituições culturais. Estas devem passar a trabalhar, não como concorrentes, mas como uma equipa que tem a “marca Portugal” para oferecer. Uma vez conseguida esta união de esforços, será necessário fazer uma reflexão sobre o que é que Portugal tem para oferecer de realmente diferente, e fazer convergir todas as energias para a divulgação dessa diferença!
Acontece que a maior parte dos visitantes que se desloca anualmente ao nosso país vem em busca de sol, mar e de um estilo de vida mais barato. Nestas circunstâncias, como é que poderemos divulgar de forma mais eficaz a nossa cultura?
Se Portugal já recebe muitos visitantes por outras razões que não a sua cultura, há que procurar manter esses mesmos visitantes durante mais tempo no país, oferecendo-lhes mais alternativas, que não o clima ou as praias. Há que tentar abrir as suas mentes para novas experiências, que deverão ser únicas e inesquecíveis. Actualmente, a expansão da indústria do turismo é notável, sobretudo quando
pensamos nos países europeus, que estão numa posição muito favorável, devido ao seu passado histórico riquíssimo. No entanto, apesar de a sua oferta cultural ser mais vasta, terão de se preocupar, agora mais do que nunca, em desenvolver uma marca sua, que os distinga além-fronteiras.
Em 30 anos de estudo, o que é que acha que mudou mais na gestão cultural?
É cada vez mais profissional, utiliza actualmente instrumentos de pesquisa muito inovadores para aferir as preferências do público. Nas minhas aulas, costumo dizer que nós devemos sempre procurar aperfeiçoar as técnicas de marketing aplicadas à cultura, primeiro para termos a certeza de que o artista é (bem) pago por aquilo que faz e, em segundo lugar, para que possamos maximizar a sua exposição pública. Falar em marketing cultural é falar da promoção da obra de arte, é aumentar a sua visibilidade e a sua aceitação.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o conceito surgiu mais cedo do que na Europa, dado que o Estado tinha um papel muito pouco interventor na cultura. De qualquer modo, na grande maioria dos países industrializados, como já referi, existe sempre o mesmo problema: pouco dinheiro dos governos e um
cada vez maior número de artistas a querer mostrar o seu trabalho. Como o orçamento do Estado para a cultura é quase sempre insuficiente, é necessário contar, cada vez mais, com o trabalho dos marketeers culturais, sobretudo quando falamos em angariação de sponsors. Como vê, não é um problema português. Esta é uma realidade que está presente em quase todos os países europeus e também na América.
"Marketing das Artes: importância e actualidade", entrevista de Rita Curvelo, então Assistente Convidada da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, in Comunicação & Cultura, n.º 1, 2006, pp. 173-180 (fonte)