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Peter Singer (2000)

A pressão para que simplifiquem as suas ideias é tão grande ― seja porque o tempo é curto, seja para tornar ideias complexas acessíveis a uma audiência que não está habituada a seguir longas cadeias de raciocínio abstracto ― que os académicos frequentemente recusam-se a dar entrevistas.

As entrevistas têm de ser tratadas com cuidado, porque normalmente o entrevistado não controla a edição final, que pode eliminar aspectos importantes ou implicar que um comentário seja relacionado com algo completamente diferente do contexto em que foi feito. Contudo, a necessidade de responder às questões e aos desafios dos entrevistadores proporciona uma oportunidade para desfazer equívocos e responder a objecções.

Com isso em mente, incluí abaixo uma "entrevista" composta, que é uma mistura de duas entrevistas separadas dadas a seguir à minha nomeação para Princeton. Acrescentei algumas questões feitas por Nell Boyce, para uma entrevista que apareceu no New Scientist, de 8 de Janeiro de 2000, a uma entrevista feita por Bob Abernethy para o programa "Religion and Ethics Newsweekly" do Public Broadcasting Service, exibido na WNET-TV em 10 de Setembro de 1999. Nos casos em que achei as minhas respostas às suas perguntas menos felizes do que teria desejado, aproveitei a oportunidade para clarificar ou desenvolver o que disse.

BOB ABERNETHY: Comecemos por algumas das suas ideias básicas. Diz que um ser humano, uma pessoa, não tem necessariamente valor devido a uma qualidade intrínseca ao facto de ser pessoa, mas que o que é importante são certas qualidades. Que qualidades são essas?

PETER SINGER: Primeiro, é importante dizer que do meu ponto de vista é um ser humano que não tem valor simplesmente por pertencer à espécie Homo Sapiens e não uma pessoa. O mero facto de pertencer a uma espécie não é suficiente. As qualidades que penso serem importantes são, primeiro, a capacidade de ter experiência de algo ― isto é, a capacidade de sentir dor, ou de ter qualquer espécie de sentimentos. Isso é realmente básico. Mas isso é algo que partilhamos com um grande número de animais não-humanos. Além disso, quando se trata de tirar a vida, ou permitir o fim da vida, diria que é relevante se um ser é o género de ser que pode ver que ele ou ela têm de facto uma vida ― isto é, pode ver que ele ou ela é o mesmo ser que existe agora, que existiu no passado e existirá no futuro.

Uso o termo "pessoa" para referir um ser com esse género de autoconsciência ― nas palavras do filósofo James Rachels, um ser que pode viver uma vida biográfica e não apenas uma vida biológica. Uma pessoa tem muito mais a perder quando a sua vida acaba do que um ser que tem consciência e pode sentir dor, mas apesar disso tem consciência da sua existência apenas momento a momento, tendo apenas um momento de consciência e depois outro, sem compreender a ligação que existe entre eles.

BA: Alguns dos seus críticos acusaram-no ― precisamente nesse ponto ― de abandonar completamente a tradição Judaico-Cristã no que respeita ao valor da vida humana. O que responde a isso?

PS: Aceito a acusação. Penso que a tradição Judaico-Cristã tem uma tendência unjusticável a favor dos seres humanos enquanto seres humanos; nesse ponto precisa de ser grandemente revista. Se olhar para o livro do Génesis, vê que os seres humanos são especiais, que Deus criou os seres humanos à sua própria imagem e deu-lhes domínio sobre os outros animais. Pelo menos desde Darwin que sabemos que isso é factualmente falso e agora temos de tirar as implicações morais que daí resultam.

BA: Muito bem, a ideia com que muitos de nós fomos criados e a que estamos apegados é a de que cada ser humano é uma criatura de Deus, que devido a isso tem valor intrínseco, e que, portanto, há uma santidade da vida humana. Como é que lida com isto?

PS: Não acredito na existência de Deus, pelo que rejeito também a ideia de que cada ser humano é uma criatura de Deus. É tão simples como isso. Ora, se você tem um ponto de vista diferente, baseado numa crença religiosa, é óbvio que tem o direito de viver a sua própria vida de acordo com os seus pontos de vista religiosos, desde que não interfira com outros que não partilham os seus pontos de vista. O que gostaria de ver era uma sociedade que, nas suas leis e ética pública, não fosse dominada por quaisquer doutrinas religiosas. É claro que nem toda a gente nesta sociedade ou qualquer outra em que tenha vivido acredita em Deus.

BA: Sendo assim, como é que chega ao que é moral? Qual é o seu princípio básico, fundamental?

PS: Temos de usar o nosso próprio pensamento e reflexão para tentar ver de que é que não gostaríamos se nos fosse feito. Nessa medida, poderia dizer que pertenço a uma tradição religiosa porque isto é muito semelhante à regra de oiro. Mas, como é óbvio, a regra de oiro não é exclusiva da tradição Judaico-Cristã. Encontra-se também noutras tradições. Penso que é algo a que os seres humanos que reflectem podem chegar independentemente da religião ― esta ideia de não querer fazer a outros o que não gostaríamos que nos fizessem. Talvez, como R. M. Hare, o meu professor na Universidade de Oxford, defendeu, seja algo que pode ser derivado do próprio conceito de moralidade. Seja como for, vejo-o como uma base a partir da qual é possível desenvolver uma perspectiva moral, e foi isso que tentei fazer.

BA: Mas você também diz que são as consequências que permitem determinar se um acto é moral.

PS: Penso que a ideia de determinar o que é correcto e o que é errado considerando as suas consequências é pode fluir da ideia da regra de oiro, embora certamente nem todos os pensadores tenham visto as coisas assim. Mas se diz "Se eu estivesse naquela posição, não quereria que me fizessem aquilo", está, de facto, a considerar as consequências do acto. Não está a examinar se isto se conforma ou não com uma regra.

BA: Apenas para que isto fique claro, a sua posição é essencialmente uma posição utilitarista, segundo a qual se algo é moral depende da consequência provável. Certo?

PS: Certo. Não penso que possa decidir se uma acção é correcta ou errada sem ter em conta os efeitos, o que ocasionará, que impacto tem nas pessoas, nos animais, ou no planeta.

BA: Ora, onde é que tudo isto leva? Preocupa-se bastante e escreveu muito sobre aliviar o sofrimento. Fale um pouco sobre isso. Não apenas do sofrimento individual, mas em termos de todo o globo.

PS: Penso que se seguirmos essa ideia de "fazer aos outros", embora as pessoas tenham tipos de preferências e necessidades diferentes, uma coisa é razoavelmente geral: as pessoas não querem sofrer. Não desejam a dor física extrema; não desejam a privação e o sofrimento emocional. Isso é algo que partilhamos em larga medida com os animais não-humanos. E é também algo que nós, nos países prósperos como os Estados Unidos, partilhamos com o mundo em desenvolvimento. Ora, poderíamos facilmente reduzir a quantidade de sofrimento que há no universo de muitas formas. Uma é relativa aos animais. Poderíamos deixar de fazer aos animais uma série de coisas que lhes causam sofrimento e que não precisamos fazer. Isso reduziria o seu sofrimento. Outra é relativa às pessoas dos países mais pobres do mundo. Poderíamos dar alguma da riqueza supérflua que nós, pessoas afortunadas vivendo em nações opulentas, temos, e usá-la para aliviar o sofrimento terrível das pessoas que são tão pobres que vivem no limiar da subnutrição e morrem de doenças facilmente evitáveis. Uma terceira forma de reduzir o sofrimento seria ajudar as pessoas que estão a morrer de doenças como o cancro, que estão a sofrer e angustiadas, e dizem "Olhe, já sofri o suficiente. Não quero continuar." Poderíamos autorizá-las a agir de acordo com a sua decisão sobre quando já tiveram o suficiente. Os meus pontos de vista que foram mais controversos provêem todos desta ideia de que, se o podemos fazer, deveríamos reduzir a quantidade de sofrimento no mundo.

BA: Fale um pouco mais sobre como seria apropriado ajudar os idosos e doentes. Quando e porque seria correcto matar uma pessoa idosa ― uma pessoa idosa e doente?

PS: Seria correcto matar uma pessoa idosa e doente se essa pessoa tivesse pedido para ser morta, se esse pedido tivesse sido feito de forma clara e persistente; e se estivermos convencidos de que a pessoa está numa condição mental capaz e racional, e está a tomar essa decisão por uma boa razão ― como o facto de que ele ou ela tem um cancro terminal.

BA: Suponho que a ideia que provocou mais controvérsia é a sua crença de que é correcto em algumas circunstâncias tirar a vida a recém-nascidos. Pode explicar qual a sua posição a esse respeito da forma clara e precisa que consiga?

PS: Há algumas crianças inválidas que nasceram com limitações tão graves que os médicos não tentam realmente mantê-las vivos. Permitem que morram essencialmente por intermédio de negligência benigna. Mas esse processo pode ser muito lento. Do meu ponto de vista, se essa decisão é justificada ― e penso que pode ser ― então não deveríamos meramente deixar a criança morrer por negligência. Com o consentimento e apoio dos pais, aconselhados pelos seus médicos ― e apenas então ― penso que seria justificável ajudar essa criança a morrer. Seria justificável diligenciar para acabar com a vida dessa criança rapidamente e de forma mais humana do que permitindo que a morte ocorra por desidratação, fome, ou uma infecção não tratada.

BA: Você disse numa citação que apareceu em muitos lugares: "Matar uma criança anormal não é moralmente equivalente a matar uma pessoa. Às vezes não é de todo errado." Quer falar sobre isso?

PS: Como disse antes, uso o termo "pessoa" para referir um ser que é capaz de antecipar o futuro, de ter necessidades e desejos para o futuro. Se essa pessoa é morta contra a sua vontade, esses desejos são interrompidos, frustrados. Por esta razão, entre outras, penso que é geralmente um mal maior matar uma pessoa do que matar um ser que não tem nenhuma consciência de existir no tempo. Talvez, por exemplo, uma galinha não tenha nenhuma consciência de existir no tempo. E isso, penso, é uma razão pela qual é normalmente pior matar um ser humano do que uma galinha. Mas os bebés humanos recém-nascidos não têm nenhuma consciência da sua existência no tempo. Assim, matar um bebé recém-nascido ― saudável ou não ― nunca é equivalente a matar uma pessoa, isto é, um ser que quer continuar a viver. É diferente. Isso não significa que fazer isso não seja quase sempre uma coisa terrível. É, mas isso é porque a maior parte das crianças são amadas e estimadas pelos seus pais, e matar uma criança é normalmente fazer um grande mal aos seus pais.

BA: Não o preocupa a possibilidade de existir aqui um declive ardiloso ― que se for permitido matar recém-nascidos inválidos, isto possa ser de algum modo estendido a outros?

PS: Temos de ter consciência do problema do declive ardiloso, e temos de pensar cuidadosamente nele. Mas não é como se estivéssemos em terreno seguro, e que aceitar o meu ponto de vista fosse o primeiro passo no declive ardiloso. Já estamos nesse declive. Por exemplo, permitindo a interrupção da gravidez, demos um passo que viola o ponto de vista tradicional da santidade da vida humana. Muitas pessoas dirão, "Bem, é por isso que o aborto é errado." Mas então e a reclassificação das pessoas como mortas quando o cérebro deixou irreversivelmente de funcionar? Isso foi aceite neste país durante mais de vinte anos sem qualquer oposição séria, mas é também um passo no declive ardiloso. Uma vez que seja possível reclassificar uma pessoa como morta porque o cérebro deixou de funcionar, embora o corpo esteja quente e o coração a bater, é possível ir mais longe. Com as modernas técnicas médicas, não há forma de podermos dizer simplesmente que "Não se deve nunca acabar com a vida de outro ser humano." Já o fazemos a toda a hora, seja por intermédio do aborto, seja retirando ou negando tratamento de suporte à vida, seja classificando um ser como cerebralmente morto. Assim, a questão não é "Podemos manter-nos fora do declive ardiloso?" mas antes "Como é que podemos negociar melhor o declive ardiloso de modo a não escorregarmos para onde não queremos ir?"

NELL BOYCE: O seu avô e outros membros da sua família morreram no Holocausto. Quando as pessoas lhe chamam nazi, ignora-o, ou preocupa-o que algumas das suas ideias possam ter consequências não previstas?

PS: Considero a acusação de "nazi" ofensiva. Banaliza de forma triste a enormidade dos crimes nazis. E é completamente absurda, porque venho de uma direcção política totalmente diferente. Sou um social-democrata, oponho-me absolutamente a políticas racistas e a um estado totalitário. Mas será que reflicto na ideia de que algumas das coisas que disse poderiam levar numa direcção que não seria uma força para o bem? Sim, certamente que penso acerca, digamos, do risco de que os meus pontos de vista possam fazer com que a sociedade apoie menos as pessoas com deficiências. Mas não penso que a resposta correcta seja dizer: "Bem, não devemos desafiar a ética tradicional da santidade da vida humana", embora possamos ver que se funda em ficções ou visões do mundo ultrapassadas. Penso que se tentarmos esconder as dificuldades da ética, corremos o risco de termos maiores dificuldades a longo prazo.

NB: Que género de dificuldades?

PS: A ética tradicional da santidade da vida está a ser corroída em todo o lado por práticas ligadas à tecnologia médica, como sistemas avançados de suporte à vida. No futuro, podemos acabar por adular a ética. Pode até acontecer que as pessoas pura e simplesmente a abandonem, apesar de não terem nada para pôr no seu lugar. O resultado poderá ser a completa confusão acerca do que pode fazer com que seja errado matar seja em que circunstâncias for. A ética tradicional não é sustentável. Há outras formas de olhar para o erro de matar, que mostra porque é mau matar, por exemplo, no caso de um ser autoconsciente que quer continuar a viver. Um princípio como esse, amplamente compreendido, tem mais probabilidades de sucesso na prevenção de coisas como o Holocausto do que a adesão a uma ética que apenas faz sentido dentro do contexto de uma mundovisão Judaico-Cristã.

NB: Sente que algumas das suas ideias foram deturpadas?

PS: Sim, particularmente os meus pontos de vista sobre a eutanásia para crianças inválidas. A deturpação é de vários géneros, mas normalmente consiste em pegar numa frase ou duas da Ética Prática, que foi escrita como um manual para uso universitário, e sugerir que esse é o meu ponto de vista ou que penso que deve imediatamente ser posto em prática como política pública. Com muita frequência o que estou a fazer é a seguir as implicações de vários pontos de vista éticos e a levar os estudantes a reflectir sobre se aceitam estas implicações.

NB: Mas não defendeu que os pais devem poder matar uma criança inválida ou mesmo com uma doença que pode ser tratada, como a hemofilia, se isso lhes permitir ter uma criança com mais possibilidades de ser feliz?

PS: A hemofilia é um dos exemplos deturpados a que me referia. A citação que todos usam é tirada de uma secção da Ética Prática em que estava a mostrar as implicações de um determinado ponto de vista utilitarista para fazer as pessoas pensar sobre as diferenças entre esse ponto de vista e um ponto de vista alternativo. Não sugeria como política pública que os pais devessem poder matar os filhos com hemofilia. Isso seria actualmente errado na nossa sociedade. A hemofilia já não é a situação desastrosa que foi em tempos, e é difícil imaginar que os pais desejem de facto matar uma criança que a tenha. Mas se, por alguma estranha razão, pensam que não podem enfrentar o seu filho, não é difícil encontrar um casal sem filhos que fique encantado por adoptar uma criança dessas. Matá-la não é opção.

BA: Outro grupo de pessoas preocupada por algumas das suas ideias são as pessoas com deficiências que, talvez completamente enganadas, vêem nalgumas coisas que escreveu uma possível ameaça a pessoas como elas.

PS: Isso é uma interpretação incorrecta dos meus pontos de vista, e é muito infeliz, porque causa angústia a algumas pessoas com deficiências. Escrevi que todas as pessoas com deficiências devem ser apoiadas na sua tentativa de viverem o melhor que podem, desde que o queiram ― como todos nós. E lamento realmente que as instalações para pessoas inválidas não sejam melhor do que são, que não as apoiemos mais. Não é certamente algo contra as pessoas com deficiências que motiva a minha posição. É, antes, um desejo de evitar o sofrimento desnecessário, que pode ser evitado, logo no começo da vida, no estádio de criança recém-nascida. Isso não é obviamente uma ameaça a qualquer pessoa com uma deficiência que é capaz de compreender algo sobre a minha posição.

NB: A experiência com a sua mãe, que está profundamente incapacitada com a doença de Alzheimer, influenciou os seus pontos de vista acerca de criaturas com uma capacidade limitada de autoconsciência?

PS: Não poderia dizer que não tem qualquer relação, mas não penso que tenha tido impacto. A situação em que a minha mãe se encontra não lhe causa sofrimento, porque não tem autoconsciência que a leve a sofrer com isso. Portanto, não é como os casos de eutanásia acerca dos quais escrevi.

NB: Há alguns anos, nasceu uma criança em Bloomington, Indiana, com o síndroma de Down e com um aparelho digestivo deficiente, que os pais decidiram não corrigir por intermédio de cirurgia, de modo que a criança morreu. Estão a ser tomadas agora decisões semelhantes para matar crianças por negligência?

PS: Provavelmente a ideia de que as pessoas com o síndroma de Down podem ter uma boa vida e de que os pais devem ser encorajados a permitir a operação mesmo se vão doar a criança para adopção tem agora maior aceitação. Mas certamente que se continuará a tomar decisões que neguem tratamento médico que prolongue a vida nos casos em que a cirurgia seja complicada e o resultado incerto, ou em que as condições subjacentes sejam mais seriamente incapacitadoras. Nos Estados Unidos há, de maneira geral, um tratamento muito mais agressivo destes casos do que na Grã-Bretanha, na Austrália, ou em muitos outros países.

NB: Está satisfeito com a situação?

PS: Não, não estou satisfeito. Não penso que esta seja uma boa situação porque não esclarece realmente o que os médicos estão autorizados a fazer. Acontecem certas coisas que são legalmente duvidosas mas que podem estar correctas. O facto os médicos terem de fazer o que é correcto dissimuladamente não é bom, porque significa que os médicos e os pais não podem ser totalmente abertos uns com os outros.

BA: Estendamos isto agora aos animais. Se conseguir, esboce o caso moral a favor do que chamou a "libertação animal."

PS: O caso a favor da libertação animal é muito simples. É que os animais sentem e têm interesses. Não há nenhuma razão para que seja dada menos importância aos seus interesses do que damos a interesses análogos de membros da nossa própria espécie. O facto dos animais não serem membros da nossa espécie não é, em si mesmo mais relevante do que o facto de um ser humano não ser membro da minha raça ou do meu sexo.

BA: E, uma vez mais, de volta às qualidades de que falou antes?

PS: A qualidade-chave que os animais partilham connosco é a capacidade de sentir dor e a capacidade de sofrer. E, portanto, têm um interesse em não sofrer. Alguns podem partilhar outras qualidades. Os chimpanzés e os orangotangos podem ser "pessoas" no sentido que mencionei. Podem ser capazes de se verem a si mesmos como existindo no tempo. Muitos animais ― incluindo alguns que comemos, como galinhas e peixes ― podem ser pessoas. Não tenho a certeza de que as vacas e os porcos possam ser considerados pessoas ― preferia dar-lhes o benefício da dúvida. Mas é claro que podem todos sofrer. E quando os criamos como comida, ignoramos a sua capacidade de sofrerem. Usamo-los meramente como coisas, e frustramos as suas necessidades mais importantes a fim de satisfazer algumas necessidades muito menores nossas.

BA: E isto é aquilo a que chamou "especismo?" Fale-me acerca do "especismo."

PS: Especismo é um termo que usei para fazer um paralelo entre, por um lado, o racismo e o sexismo, e, por outro, a nossa atitude para com os animais. A atitude dos racistas brancos para com os africanos era: "Não és membro da minha raça. Portanto, é correcto capturar-te, escravizar-te e usar-te como um instrumento vivo para trabalhar nas minhas plantações." Quando pensamos no que fazemos aos animais, é muito parecido. Dizemos, "Não és membro da minha espécie. Portanto, é correcto capturar-te, criar-te, fazer de ti uma coisa, usar-te como um instrumento para produzir comida, ovos ou leite ― ou usar-te como um instrumento experimental no laboratório." O facto de um ser não ser membro da minha espécie, em si mesmo, não justifica que se faça qualquer destas coisas.

BA: Referiu-se a experiências médicas, mas isso é uma parte particularmente importante dessas experiências, não é?

PS: Não, de facto não. Penso que o uso de animais na alimentação é um mal moral maior do que o uso dos nossos animais em experiências, porque é claramente menos necessário e envolve um número muito maior de animais.

BA: Mas na questão da experimentação médica em particular, quando considera as consequências, uma delas pode ser a cura para uma doença que aliviaria o sofrimento de um grande número de pessoas. Certo?

PS: É possível. Nunca disse que penso que toda a experimentação animal deve parar imediatamente. Se se conseguir mostrar que essa é a única forma de atingir um objectivo como curar uma doença importante, então diria que deveríamos procurar caminhos alternativos para atingir o mesmo objectivo, mas até lá, não faria campanha para acabar com essas experiências em particular. Mas o que digo é que, em geral, os animais foram usados apenas como coisas, apenas como instrumentos. Eram baratos. Ninguém se preocupava com os seus interesses. Era apenas uma questão de "Encomendemos outros 200 ratos ou porcos-da-índia para a próxima segunda-feira de manhã e tentemos isto neles." Por conseguinte, é aqui que o especismo entra ― o facto de estarmos preparados para fazer isto aos animais. Condenamos que se faça isto aos seres humanos, seja qual for o seu nível mental.

NB: Disse que o uso de chimpanzés só é justificado quando a experiência é tão importante que o uso de seres humanos com danos cerebrais também é justificável. Seria, então, correcto usar seres humanos com danos cerebrais?

PS: Teria de ver as coisas caso a caso. Não o poria completamente fora de questão. O que quero realçar é que protegemos muitíssimo mais os seres humanos do que os animais não-humanos. Levar as pessoas a fazer essa comparação fá-las pensar em que género de caso a experimentação seria suficientemente forte para que digamos "Sim, estamos realmente preparados para fazer essa experiência num ser humano com danos cerebrais." Se o caso não é suficientemente forte para justificar essa conclusão, então como pode ser suficientemente forte para justificar que se faça a investigação num chimpanzé que está num nível mental mais elevado do que o ser humano em que acabámos de dizer que não pode ser feita a experiência?

NB: Como pioneiro do movimento moderno dos direitos dos animais, o que pensa dos activistas que mandam a cientistas lâminas de barba por correio?

PS: Penso que é deplorável que se faça uma coisa dessas. Isso arrisca-se a prejudicar seriamente o movimento porque o poder do movimento está no facto de assumir uma posição moral forte e de ter um caso moral realmente bom. Ao usar estas tácticas, há o risco de que o movimento seja visto simplesmente como extremistas loucos que tentam forçar os outros a aceitar os seus pontos de vista.

BA: Chamaram-lhe muitas coisas com que certamente aprendeu a lidar, mas que devem ainda feri-lo. Li algures que alguém lhe chamou o homem mais perigoso da actualidade, e que outra pessoa usou a frase "Professor Morte." Porque acha que aquilo que diz provocou uma tal paixão?

PS: O que digo é controverso. Como temos estado a ver, vai contra uma ética que andou por aí por muito tempo. Essa ética está a sofrer mudanças, mas talvez eu tenha mostrado com um pouco mais de clareza e franqueza do que a maior parte a direcção em que essa ética precisa de mudar. E recusei-me a tentar e disfarçar o que digo por detrás de um véu que diz, por exemplo, "Não estamos a matar; estamos apenas a deixar morrer", ou "Não estamos a retirar corações ainda a bater de seres humanos que estão vivos, porque os cérebros destes seres humanos deixaram de trabalhar e por isso eles estão mortos." A minha recusa em lançar este delicado véu eufemístico sobre as coisas para torná-las mais aceitáveis é uma boa parte da razão pela qual recebi toda esta oposição enquanto outros, cujas conclusões estão em grande parte de acordo com as minhas, não.

BA: Como é que isso o faz sentir?

PS: Não gosto mesmo de algumas coisas que me chamaram. Considero-as injustas e provocatórias. São basicamente ruídos. Mas na medida em que me ajudam a divulgar as minhas ideias a uma audiência maior ― e é certo que o fazem ― vejo que têm também um lado bom.

NB: Em que projectos está actualmente a trabalhar?

PS: Estou a acabar algo que é completamente diferente, um livro sobre o meu avô, que viveu em Viena desde o final do século dezanove até ao Holocausto. Acho fascinante retroceder a esse período e reconstruir a vida de um homem que nunca conheci. Estou quase a acabá-lo agora. Isso, e a mudança para Princeton, fez com que fosse uma boa altura para parar e decidir em que quero realmente trabalhar a seguir. Provavelmente irei fazer algo relacionado com a genética. Também estou interessado em algumas dos problemas globais, como a justiça e a fome no mundo, a mudança climática, e a ética de um mercado livre global.


in "Writings on a Ethical Life", Fourth Estate, London, 2000, pp. 319-329. Tradução de Álvaro Nunes (fonte: Filosofia e Educação)