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René Pélissier (2010)

É um dos mais importantes historiadores estrangeiros da moderna colonização portuguesa. Estudou a conquista militar de Angola, Moçambique, Guiné e Timor. A viver perto de Paris, tem uma biblioteca de 12 mil volumes e gostaria de escrever uma bibliografia crítica de tudo quanto foi publicado.

O seu último livro 'a solo' chama-se "Timor em Guerra". A Conquista Portuguesa?

Os portugueses têm uma história romanceada da colonização portuguesa em Timor. Teriam sido, no essencial, a igreja e os missionários os únicos a contribuir para a implantação da colonização portuguesa.

O que não é verdade!

Pois não. Foi uma conquista brutal, efetuada pela maior parte dos governadores e sobretudo pelo célebre José Celestino da Silva, que foi um homem excecional na história colonial portuguesa.

Foi uma exceção em todo o império?

Creio que sim. Não tenho a nomenclatura de todos os governadores de todas as colónias, mas foi o homem que esteve no poder em Díli durante mais tempo (14 anos). Tinha a proteção do rei D. Carlos (até ao seu assassínio), mas quando foi da sucessão foi afastado do poder por D. Manuel. Tinha demasiados inimigos. Era um homem ativo, que tinha como principal objetivo na vida entrar na História como o primeiro governador de Timor a ser dono de todo o território. Conseguiu-o por meios extraordinariamente brutais.

Sanguinários?

Sim. Tinha poucos soldados moçambicanos mas reuniu em 24 campanhas 60 mil timorenses e mandou cortar muitas...

... cabeças?

Exato. Não foi mais sanguinário que outros governadores, mas para conseguir a adesão dos "arraiais" - as tropas supletivas timorenses -, tinha de lhes dar qualquer coisa. Como não tinha dinheiro, havia que dar uma compensação material - o direito de se apoderar dos cavalos, porcos, vacas, etc. -, mas também mística, digamos. Isto é: cabeças cortadas, que para os guerrilheiros constituíam uma espécie de defesa sobrenatural da sua própria aldeia. Cortavam as cabeças e encastravam-nas nas tranqueiras - uma defesa mágica contra os maus espíritos e contra os inimigos que, por sua vez, também queriam cortar as cabeças dos habitantes da aldeia. Era uma espécie de salvaguarda. José Celestino da Silva era um homem que também ambicionava enriquecer.

Conseguiu-o?

Sim. Quando havia uma vitória num reino com muito terreno para o café, ele requisitava os ditos terrenos para lançar uma ou várias companhias agrícolas, de que era sócio. Com os vencidos não decapitados, utilizava o trabalho forçado. Transformava-os praticamente em escravos, que cultivavam café para si, a troco de uma pequena 'gorjeta'.

Onde descobriu essas histórias?

Não foi uma verdadeira descoberta. Os raros especialistas de Timor já a conheciam. Encontrei isso nos testemunhos publicados pelos próprios governadores. Em 1896, o primeiro relatório sobre uma campanha em Timor, conta como mataram cerca de 700 pessoas em 1895 - cortando as cabeças. É um livro trágico, que não esconde a verdade, publicado para contrabalançar o prestígio mediático de Mouzinho de Albuquerque, que era o grande herói de Moçambique. Julgo que aceitaram publicar os relatórios dos oficiais de José Celestino da Silva, que era o novo e longínquo herói de Timor, para mostrar que nos confins do Império também havia um homem que tinha a situação militar bem controlada. A conquista continuou ainda em 1900, contra o maior regulado que era o Manufai, onde estava a alma ou o coração da resistência à colonização. Foi uma conquista muito dura, primeiro contra o liurai D. Duarte, e depois contra o seu filho D. Boaventura, que se tornou o pior inimigo dos portugueses durante a I República. Foi uma guerra atroz. Oficialmente houve 3424 mortos. Não é verdade - calculo que tenham sido 15 a 25 mil timorenses mortos, seja em combate, seja à sede, seja sobretudo pela cólera. A conquista acabou em 1913 pelo esmagamento de todas as chefias. A colonização de Timor não tem nada a ver com a mitologia do Estado Novo, nem com a de agora. É preciso olhar a história colonial com os olhos bem abertos.

Timor foi a última colónia que estudou?

Foi. Quando comecei, fui o primeiro investigador francês a estudar a colonização portuguesa moderna, posterior aos Descobrimentos, à Índia e ao Brasil...

Porque escolheu Portugal?

Porque gosto das descobertas pessoais. Tenho uma alma de descobridor, de explorador. Cheguei um pouco tarde: tudo já fora descoberto geograficamente. Mas descobri um mundo que estava completamente fechado aos não-lusófonos pela propaganda, que exaltava os cinco séculos de colonização portuguesa.

O que está longe de ser verdade.

Justamente. Mas era preciso prová-lo e demonstrar. Tinha que encontrar uma chave para destruir o mito. E a única chave que estava em meu poder era fazer a história militar da conquista. Avancei num terreno completamente ignorado pelos não-lusófonos.

Creio que começou por Angola.

Em 1965. Angola era difícil para mim.

Veio a Lisboa?

Sim. O Arquivo Histórico-Ultramarino não estava aberto para os que queriam estudar a época mais recente. Mas não mo disseram frontalmente. Como eram muito hábeis, o diretor disse-me que podia vir ao Arquivo consultar unicamente os livros! Só que, para isso, podia ir a Sociedade de Geografia... Não pude fazer nada e expliquei na minha tese que não tivera acesso ao Arquivo Histórico Ultramarino. Mas os militares deram-me acesso aos arquivos militares na medida em que iam sendo desclassificados. Aproveitei e encontrei coisas que ninguém tinha encontrado antes de mim, como o fim da conquista dos Dembos.

Teve que aprender português?

Sim, em Portugal. Nunca aprendi propriamente. Comecei por ler e conversar. E conversando apanhei um pouco da língua. Os militares da época da conquista do Terceiro Império escreviam e publicavam muito. Foi a minha salvação.

Literatura de memórias e das campanhas.

Exatamente. Não apenas Mouzinho de Albuquerque, mas António Enes e muitos outros. A conquista não foi propriamente um caminho que levasse à santidade: não havia apenas rosas nessa história. Em 1904, mesmo em 1907, a Angola realmente portuguesa representava no máximo 1/10 do território atual. E isso não era confidencial. Estava escrito em "Angola Dois anos de Governo", do governador Paiva Couceiro, um documento notável. João de Almeida, que foi o seu braço direito, contou as suas próprias campanhas. Fez o seu trabalho de conquistador, normal na época. Se empreendeu, a partir de 1845, 180 operações militares, isso significava que a colónia não estava pacificada. Esta foi a chave que demonstrou a falsidade do slogan "Cinco séculos de colonização portuguesa em Angola". Antes de meados do séc. XIX não havia propriamente dito uma colonização portuguesa, salvo em Luanda, no corredor do Cuanza até Malange, em Benguela, Moçâmedes, Novo Redondo e pouco mais. Todo o resto tinha de ser conquistado.

Visitou Angola?

Não sou um historiador militante ou partidário de uma causa - nenhuma. Nada disso. Obtive licença para visitar Angola em 1966. Já tinha escrito pequenas coisas e viram que não era um adversário da colonização. Realmente não sou. Sou, isso sim, um adversário do mito da colonização, o que é diferente. Visitei praticamente 13 distritos (em 15 que havia na época), vi a situação, que era favorável a Portugal do ponto de vista económico. É incontestável: Angola nunca foi tão próspera e rica como na véspera da morte da colonização portuguesa.

Creio que é uma verdade indiscutível.

Indiscutível. Na minha opinião (que não é a opinião de um propagandista e que expus no livro "História de Angola", com Douglas Wheeler), a situação era instável mas provisoriamente favorável aos portugueses. Fiz a minha tese de doutoramento em dois volumes sobre Angola. O primeiro é sobre a conquista, que foi traduzida para português pela Estampa, "História das Campanhas de Angola". O segundo volume, com 700 páginas, ainda não foi traduzido; chama-se "La colonie du Minotaure". E o Minotauro é a colonização portuguesa que devora as suas vítimas africanas. Como sou um homem que ama a descoberta, com alma de explorador, e não queria ficar a vida toda a estudar Angola, passei a Moçambique. Comecei em 1977. A conquista de Moçambique são essencialmente as 150 campanhas ou operações mais importantes nos séculos XIX ou XX - o que significa que não se pode falar de "cinco séculos de colonização". Seria uma burla!

A mesma tese de Angola...

É preciso ser verdadeiramente cego, ou não querer olhar a verdade de frente. Terminei Moçambique em 1983 e continuei pela Guiné. Mais pequena, mas um país relativamente mais difícil de conquistar, em razão da geografia, do clima e da resistência dos guineenses, gente que não estava disposta a submeter-se sem ser vencida.

O grande herói da colonização de Angola foi Paiva Couceiro?

Não há verdadeiramente um herói. O melhor organizador da conquista durante a Monarquia foi Paiva Couceiro e o seu braço-direito, João de Almeida. A conquista do Sul foi "épica" entre 1885 e 1915.

E em Moçambique?

Não partilho do entusiasmo por Mouzinho de Albuquerque. Em Angola, não havia a premência de Moçambique, a braços com as ambições de Cecil Rhodes, dos britânicos e até dos alemães, que olhavam, a partir do norte, o que podiam apanhar dos portugueses.

Em Angola não havia esse tipo de problemas.

Havia o problema dos alemães e o seu domínio do Sudoeste africano. Mas a pressão alemã era inferior à de Cecil Rhodes, que queria conquistar a Rodésia e aceder ao mar através da Beira. Quem teve a visão mais clara foi António Enes. Enes era um civil: era um autor dramático, foi diretor da Biblioteca Nacional em Lisboa e ministro, e tinha uma conceção relativamente eficaz sobre a organização da conquista. Não tinha poder militar, mas encontrou entre os seus oficiais intermédios gente corajosa e soube ampliar exageradamente a ameaça do Gungunhana. O Gungunhana era um imperialista africano - não há que ter vergonha em dizê-lo. Agora é um herói em Moçambique - cada país encontra os heróis onde pode. Mouzinho de Albuquerque conseguiu o feito apreciável de se apoderar da pessoa de Gungunhana sem resistência, em Manjacaze. Isso deu confiança aos oficiais portugueses, que se batiam com poucos meios e homens e com pouco espírito de organização. Perceberam que, uma vez vencido o Gungunhana, podiam apoderar-se de todo Moçambique - e fizeram-no, lentamente. No início da I Guerra Mundial, o essencial de Moçambique estava conquistado, exceto a parte Norte, os atuais Cabo Delgado e Niassa, que pertenciam a uma sociedade privada comercial, uma pura sociedade de predadores. Os acionistas eram sul-africanos, alemães, franceses, etc. e apenas o presidente era português.

Seguiu-se o estudo da Guiné...

Cheguei à Guiné com muita dificuldade. Porque é muito complicada, ao lado de Angola...

Mais difícil que Angola?

Sim. Quando estudei Angola, tinha uma vantagem: salvo no Sul e no Noroeste, não havia muitas relações (em termos de pesquisa) com os territórios vizinhos. Enquanto a Guiné está completamente rodeada por territórios franceses, pelo que era necessário absorver a história dos povos que também habitam o Senegal e a Guiné Conakry. Fiz, assim, o conjunto das três colónias continentais que nunca tiveram cinco séculos de colonização, que existiu unicamente em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, e Goa e territórios adjacentes. E mesmo Goa estava dividida, até à véspera da conquista indiana, em duas partes: as velhas conquistas (um território muito pequeno) e as novas conquistas, feitas no fim do Séc. XVIII. Só me faltava a última colónia onde houve grandes combates: Timor, que acabei em 1996. Depois tive problemas de saúde e pessoais, que me obrigaram a trabalhar mais lentamente. Estabeleci, depois, em termos cronológicos, uma síntese das quatro histórias separadas. Associando as várias conquistas, demonstrei que no principio do Séc. XX Portugal esteve em guerra permanente e simultânea em vários territórios. O que impressiona, uma vez que o país era pobre - o Portugal do fim da monarquia não se podia comparar à Bélgica do rei Leopoldo. Portugal é, indiscutivelmente, o país que mais se bateu, e mais tardiamente, para obter o seu terceiro Império. O que foi trágico para Portugal é que, à conquista, não se seguiu uma administração estável. Faltou dinheiro, homens e espírito de continuidade. E isso custou muito caro: era preciso reconstruir perpetuamente. Norton de Matos escreveu, num dos seus relatórios, que "não sabemos colonizar...". Exagerava um pouco, mas havia grande parte de verdade nisso. Fez falta uma continuidade do esforço colonial.

E a República?

Coitada! Continuou a mesma política, não tendo sido nem mais gentil nem mais reformadora... Liquidou as elites africanas - não no sentido de as ter morto, mas abafou os primeiros movimentos nacionalistas.

Visitou todas as colónias?

Visitei Angola três vezes - a última, em 1973. Não fiquei apenas em Luanda; fui a Teixeira de Sousa, Cazombo, Gago Coutinho, Cuito Cuanavale, Mavinga, Serpa Pinto...

Vejo que tem uma memória fantástica...

Um pouco... Visitei todos os distritos, menos dois: o Zaire e o Kuanza-Sul.

Quem financiou?

Em 1966, a Junta de Investigações do Ultramar, dirigida por um homem notável: Carlos Cruz Abecassis. Foi honesto comigo e eu com ele. Escrevi um livro que se chama "Explorar. Voyages en Angola et autres lieux incertains", em que descrevo a visita à prisão de S. Paulo, em Luanda, com São José Lopes, o diretor da PIDE em Angola.

Conheceu-o?

Fui até lá. Fez-me visitar de noite a sua prisão que estava vazia.

Vazia?

Não sou ingénuo. Se há historiador ingénuo, não sou eu. Estava quase vazia. Fui depois ao campo de concentração de Missongo; vi os prisioneiros, falei com eles, fiz um pequeno inquérito sobre as origens religiosas e políticas; os portugueses tinham sido astutos e hábeis, tinham misturado os FNLA com os MPLA para ter 'bufos' dos dois lados... Não se deve desprezar a astúcia dos portugueses. Há autores estrangeiros que o fazem. Eu não. É preciso reconhecer qualidades aos portugueses. Ninguém consegue aguentar três guerras durante 14 anos, em dois milhões de quilómetros quadrados insalubres, sem ter uma resistência fora do comum. Os seus adversários, salvo o PAIGC, não estavam tão bem organizados nem eram tão numerosos como a FLN argelina contra a França - mas, apesar disso, é preciso tirar-lhes o chapéu. E eu tiro-o. Mas eles estavam militarmente num beco sem saída.

Visitou Moçambique?

Duas vezes. Paguei uma vez, mas não vi muita coisa, fui apenas à Beira, Lourenço Marques e Gaza. A segunda foi em 1973; paguei a viagem até África e na Beira fiquei a cargo das autoridades militares e da administração. Visitei Tete (pouco depois do escândalo do massacre de Wiriamu), Metangula, Vila Cabral, Nangade (no Rovuma). Escrevi um artigo para o "Le Monde" sobre Nangade, que aliás foi mal-tratado por um jornalista da redação, que cortou o que eu dizia de bem dos portugueses, acusando-me de ser um propagandista da causa colonialista...

Visitou a Guiné?

Nunca. O que era normal. Gosto dos jornalistas, porque põem perguntas embaraçosas. E na Guiné sabiam que eu poria questões muito embaraçosas, a que não poderiam responder sem violar completamente a verdade.

Visitou algum destes países depois da independência?

Nunca. Nunca fui à África lusófona depois da independência. Fui a Goa por minha conta em 1979 e verifiquei que estava marginalmente mais desenvolvida que no tempo dos portugueses.

Todos os seus livros estão traduzidos para português?

Não e isso é uma pena. Tenho cinco livros e meio traduzidos para português (ao todo, cerca de 3500 páginas). Sou provavelmente o único historiador estrangeiro a ter cinco livros traduzidos em português: "História das campanhas de Angola", "História de Moçambique", "História da Guiné", "Timor em Guerra" e "As campanhas coloniais de Portugal" (que é a síntese dos quatro). E escrevi, juntamente com Douglas Wheeler, "História de Angola".

Que foi o último a ser traduzido.

Sim. O "Minotauro" nunca foi. Procuro um editor, mas são mais de 700 páginas. Não é apenas a guerra em 1961, é também a administração portuguesa nas véspera das revoltas.

Você é conhecido por ser um máquina de ler...

Sou um explorador do passado.

Quantos livros leu sobre as colónias portuguesas?

Sobre Moçambique, mais ou menos mil livros e artigos; 1100 sobre Angola, pelo menos 400 sobre a Guiné e mais de 300 sobre Timor.

Fez recensões sobre todos esses livros?

Não. Li e utilizei-os para compor os meus próprios livros. Além disso, publico recensões de livros recentes sobre a colonização portuguesa moderna (os cinco PALOP e Timor) e um pouco sobre Goa e Macau. Publiquei mais de três mil recensões desde 1964. É um serviço de informação para o público.

Publicou muitas recensões na "Análise Social". Porque acabou?

Não fui eu que interrompi a minha colaboração. Gostaria bem de a manter. A revista mudou de programa, depois de ter publicado 27 crónicas bibliográficas minhas. E a tradução custava dinheiro!

Em que línguas lê?

Francês, português, espanhol, catalão, italiano, inglês, alemão, holandês (aprendi por causa de Timor) e um pouco de dinamarquês. Quando não leio uma língua, peço ao autor que me envie um resumo, o que já aconteceu com livros escritos, por exemplo, em finlandês, checo e polaco. O mais exótico que recensei foi o primeiro livro em hebraico sobre Angola, da primeira embaixadora de Israel em Luanda.

Escrito em hebraico?

Eu não leio e pedi à autora que me desse um apanhado. Tenho recensões sobre livros publicados em 52 países - na Índia, Nicarágua, Colômbia. Rússia, Roménia, no país basco (sobre missionários em Angola), etc.. É uma cobertura internacional... Publiquei parte dessas recensões num livro enorme (748 páginas) chamado "Angola, Guinées, Mozambique, etc. Una bibliographie internationale critique (1990-2005)". Às vezes muito crítica.

Está a escrever para revistas portugueses?

Tento, mas é muito difícil. Enquanto crítico, preciso que os meus trabalhos sejam publicados rapidamente. É a mesma atitude que um jornalista: é preciso que saia rápido, atendendo às motivações do editor.

Ouvi-o falar sobre Angola. O que contou foi uma autêntica reportagem jornalística...

Sim. Vocês fazem o mesmo trabalho que eu, mas com uma faca na garganta: o tempo e, por vezes, o chefe-de-redação. Eu tenho bastante mais tempo e menos constrangimentos.

O historiador também é um jornalista?

Não. Eu estou na fronteira. Sou um homem curioso e sistemático. Em França, um grande jornalista é o que trabalha num grande jornal. Eu não trabalho em nenhum jornal e só o faço para pequenas revistas confidenciais, que geralmente não interessam aos editores comerciais. Pelo que sou eu que todos os anos compro uma centena de livros para a minha biblioteca. Além dos livros enviados para a comunicação social, que analiso sempre.

Quantos volumes tem?

Doze mil. Incluindo livros sobre a Índia e Macau e sobre os territórios espanhóis de África, área de que também sou especialista. Unicamente para o período 1840-2010.

Tem esses livros todos em sua casa?

Sim, mas não há mais espaço! Gostaria de fazer uma coisa útil para as gerações futuras: uma bibliografia crítica de tudo quanto foi publicado em livro sobre Angola, Moçambique, etc. a partir de 1840. Mas isso custa uma fortuna.

Qual foi o melhor livro que leu sobre as colónias portuguesas?

É uma escolha difícil. Talvez o do americano John Marcum, sobre Angola, em dois volumes e alguns do grande Charles Boxer até 1825.

E de autores portugueses?

Há muitos, visto que também leio romances, na condição que falem da situação e do drama colonial. Enquanto historiador, destaco o livro de António Monteiro Cardoso, "Timor na Segunda Guerra Mundial: O Diário do Tenente Pires". Gosto também de um precursor que escreveu a primeira história séria de Angola, chamado Ralph Delgado; era um autor colonialista, mas com visão de historiador e fez um trabalho de pioneiro. E eu respeito os pioneiros.

O que é, para si, um bom livro?

Se um livro me traz coisas novas, considero-o bom; se me traz muitas coisas novas, é excelente, qualquer que seja a tendência política do autor. Como não tenho nenhuma opção política, se fizer bem o seu trabalho, não tem nenhuma importância que seja de esquerda ou de direita. Desde que faça bem o seu trabalho...


Entrevista de José Pedro Castanheira. Versão integral da entrevista publicada no semanário "Expresso" de 31 de Julho de 2010, Caderno Atual, páginas 38 a 40. Foto Tiago Miranda. (fonte)