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Kurt Vonnegut (1977)

PERGUNTA: O senhor é um veterano da Segunda Guerra Mundial?

VONNEGUT: Sim. Quero um funeral militar quando morrer. O toque de clarim, a bandeira sobre o caixão, as salvas de tiros cerimoniais, a bênção do solo.

PERGUNTA; Por quê?

VONNEGUT: Será uma maneira de alcançar o que sempre quis mais do que tudo, algo que poderia ter tido, se ao menos houvesse conseguido que me matassem na guerra.

PERGUNTA: O que é…?

VONNEGUT: A aprovação irrestrita de minha comunidade.

PERGUNTA: Não acha que já tem isso agora?

VONNEGUT: Meus parentes dizem que estão contentes por eu estar rico, mas que simplesmente não conseguem ler meus livros.

PERGUNTA: Era batedor do batalhão de infantaria de guerra?

VONNEGUT: Sim, mas fiz meu treinamento básico no obus 240 mm.

PERGUNTA: Uma arma bastante grande.

VONNEGUT: A maior peça móvel de artilharia no exército naquele tempo. Essa arma era transportada em seis peças, cada uma arrastada por um trator Caterpillar. Sempre que nos mandavam atirar com ela, primeiro tínhamos que montá-la. Praticamente tínhamos que inventá-la. Baixávamos uma peça sobre a outra, usando gruas e macacos. O projétil em si tinha cerca de 24 cm de diâmetro e pesava 135 kg. Construímos trilhos em miniatura que nos permitiam levar o projétil do chão à culatra, que ficava a uns dois metros e meio do solo. O bloco de culatra era como a porta de caixa-forte de uma cooperativa de empréstimos em Peru, Indiana, digamos.

PERGUNTA: Deve ter sido emocionante atirar com uma arma dessas.

VONNEGUT: Nem tanto. Metíamos o projétil lá dentro, e então colocávamos sacos de explosivos, muito calmos e pacientes. Pareciam biscoitos úmidos. Fechávamos a culatra e aí disparávamos um martelo, que batia em uma cápsula explosiva de percussão de mercúrio, a qual cuspia fogo nos biscoitos úmidos. A idéia principal, eu acho, era gerar vapor. Após alguns momentos, ouvíamos sons culinários. Era parecido com cozinhar um peru. Acho, com total segurança, que poderíamos ter aberto o bloco de culatra de tempos em tempos, e regado o projétil. No fim, porém, o obus acabava ficando inquieto. E aí ela se lançava para trás sobre o mecanismo de recuo e tinha de cuspir o projétil. O projétil era expelido com a velocidade de um balão dirigível da Goodyear. Se tivéssemos uma escada de mão poderíamos ter pintado “Foda-se Hitler” no projétil, enquanto ele saía da arma. Helicópteros poderiam ter saído atrás deles e os derrubado.

PERGUNTA: O máximo em armas de terror.

VONNEGUT: Da Guerra Franco-Prussiana.

PERGUNTA: Mas acabou sendo mandado à Europa não com esse instrumento, mas com a 106ª Divisão de Infantaria…

VONNEGUT: “A Divisão das Sacolas de Almoço. Eles costumavam nos abastecer com um monte de sacos de comida. Sanduíches de salame. Uma laranja.

PERGUNTA: Em combate?

VONNEGUT: Quando ainda estávamos nos Estados Unidos.

PERGUNTA: Enquanto o treinavam para a infantaria?

VONNEGUT: Nunca fui treinado para a infantaria. Batedores de batalhão eram tropas de elite. Havia apenas seis em cada batalhão e ninguém tinha muita certeza sobre o que esperavam que fizéssemos. Então marchávamos para a sala de recreação todas as manhãs e jogávamos pingue-pongue e preenchíamos pedidos de inscrição para o curso de candidatos a oficial.

PERGUNTA: Mas durante seu treinamento básico, deve ter-se familiarizado com outras armas além do obus.

VONNEGUT: Se você estuda o obus 240 milímetros, não tem tempo sobrando nem para assistir a um filme sobre doenças venéreas.

PERGUNTA: O que aconteceu quando chegou ao front?

VONNEGUT: Imitei vários filmes de guerra que havia visto.

PERGUNTA: Atirou em alguém na guerra?

VONNEGUT: Pensei em fazer isso. Armei minha baioneta uma vez, esperando a hora de atacar.

PERGUNTA: E atacou?

VONNEGUT: Não. Se todos os outros tivessem atacado, eu teria ido também. Mas decidimos não atacar. Não conseguíamos ver ninguém.

PERGUNTA: Isso foi durante a Batalha do Bolsão, não foi? A maior derrota do exército norte-americano na história.

VONNEGUT: Provavelmente. Minha última missão como batedor foi encontrar nossa própria artilharia. Normalmente, batedores saem procurando por material do inimigo. A situação ficou tão ruim que, no fim, estávamos procurando por nosso próprio material. Se eu tivesse encontrado o comandante de nosso batalhão, todo mundo teria achado formidável.

PERGUNTA: Importa-se de descrever sua captura pelos alemães?

VONNEGUT: Não, ao contrário. Estávamos em uma vala quase tão profunda quanto uma trincheira da Primeira Guerra Mundial. Havia neve por todo lado. Alguém disse que provavelmente estávamos em Luxemburgo. Não tínhamos comida.

PERGUNTA: “Nós” quem?

VONNEGUT: A unidade de batedores de nosso batalhão. Nós seis. E cerca de cinqüenta pessoas que nunca havíamos visto antes. Os alemães podiam nos ver, porque estavam falando conosco através de um alto-falante. Disseram-nos que não tivéssemos esperanças e assim por diante. Foi aí que armamos as baionetas. Por alguns minutos, foi bom ficar ali.

PERGUNTA: Como assim?

VONNEGUT: Éramos um porco-espinho, com espinhos de aço. Eu tinha pena de qualquer pessoa que tivesse de vir atrás de nós.

PERGUNTA: Mas eles vieram assim mesmo?

VONNEGUT: Não. Em vez disso, mandaram projéteis de 88 mm. Os projéteis explodiram nos topos das árvores, bem em cima de nós. Eram estrondos muito fortes, logo em cima de nossas cabeças. Recebemos uma chuva de estilhaços de aço. Algumas pessoas foram atingidas. Então os alemães disseram mais uma vez para sairmos. Nós não gritamos “De jeito nenhum”, nem nada no estilo. Dissemos. “Está bem” e “Calma”, e assim por diante. Quando os alemães finalmente se mostraram, vimos que vestiam roupas de camuflagem brancas. Nós não tínhamos nada parecido. Era só aquele verde-oliva sem graça. Não importava a estação do ano, era sempre verde-oliva.

PERGUNTA: O que os alemães disseram?

VONNEGUT: Disseram que a guerra estava acabada para nós, que tínhamos sorte, que agora podíamos ter certeza que sobreviveríamos à guerra, o que era uma certeza maior que a deles. De fato, eles provavelmente foram mortos ou capturados pelo III Exército de Patton, nos dias seguintes. Círculos dentre de círculos.

PERGUNTA: Falava alemão?

VONNEGUT: Tinha ouvido muito meus pais falarem. Mas eles não me ensinaram a língua, já que havia muito rancor nos Estados Unidos contra todas as coisas alemãs durante a Primeira Guerra Mundial. Experimentei com nossos captores algumas poucas palavras que sabia e eles me perguntaram se eu era descendente de alemães, e eu disse: “Sim”. Quiseram saber por que eu fazia guerra contra meus irmãos.

PERGUNTA: O que respondeu…?

VONNEGUT: Sinceramente, achei a pergunta tola e cômica. Meus pais haviam me separado tão completamente de meu passado germânico que meus captores poderiam muito bem ter sido bolivianos ou tibetanos que significariam a mesma coisa para mim.

PERGUNTA: Depois de capturado, foi levado para Dresden?

VONNEGUT: Nos mesmos vagões de carga que haviam trazido as tropas que nos capturaram, provavelmente nos mesmos vagões de carga que haviam entregado judeus, ciganos, testemunhas de Jeová e outros para os campos de extermínio. Material circulante é material circulante. Bombardeiros ingleses atacaram-nos à noite umas poucas vezes. Acho que eles pensaram que éramos equipamento estratégico de alguma espécie. Eles atingiram um carro contendo a maior parte dos oficiais de nosso batalhão. Toda vez que eu digo que odeio oficiais, o que ainda faço com alguma freqüência, tenho de lembrar a mim mesmo que não sobreviveu praticamente nenhum dos oficiais sob cujo comando servi. Passamos o Natal lá dentro, em algum lugar.

PERGUNTA: E por fim chegou a Dresden.

VONNEGUT: Primeiro a um enorme campo de prisioneiros ao sul de Dresden. Os soldados foram separados dos oficiais subalternos e dos comandantes. Segundo os artigos da Convenção de Genebra, um documento muito eduardiano, soldados têm que trabalhar para se manter. Todos os outros ficam definhando na prisão. Como soldado, fui levado para Dresden…

PERGUNTA: Quais foram suas impressões da cidade antes do bombardeio?

VONNEGUT: A cidade mais elegante que jamais havia visto. Uma cidade cheia de estátuas e zoológicos, como Paris. Fomos viver em um matadouro, um novo e simpático estábulo para porcos, feito de blocos de concreto. Colocaram beliches e colchões de palha no estábulo, e íamos trabalhar todas as manhãs, como mão-de-obra contratada em uma fábrica de xarope de malte. O xarope era para mulheres grávidas. As malditas sirenes disparavam e ouvíamos uma outra cidade receber as bombas — buum, buum, buum. Nunca esperamos que caíssem sobre nós. Havia pouquíssimos abrigos antiaéreos na cidade, e nenhuma indústria de guerra, apenas fábricas de cigarros, hospitais, fábricas de clarinetes. Então uma sirene tocou — dia 13 de fevereiro de 1945 — e descemos dois andares, sob o nível da calçada, até um grande depósito de carne. Estava frio lá, com cadáveres pendurados por todo lado. Quando subimos, a cidade havia desaparecido.

PERGUNTA: Vocês não se sufocaram no depósito de carne?

VONNEGUT: Não. Era bem grande e não éramos muitos. O ataque também não parecia ser grande coisa. Buum. Usaram explosivos primeiro, para desmantelar as coisas e, então, espalharam bombas incendiárias. Quando a guerra começou, as bombas incendiárias eram razoavelmente grandes, mais ou menos o tamanho de uma caixa de sapato. Na ocasião em que as jogaram em Dresden, eram coisinhas minúsculas. Queimaram toda acidade.

PERGUNTA: O que aconteceu quando vocês subiram?

VONNEGUT: Nossos guardas eram oficiais subalternos — um sargento, um cabo e quatro soldados — e não tinham líder. Não tinham cidade também, porque eram habitantes de Dresden que haviam sido feridos no front e mandados para casa para cumprir tarefas fáceis. Mantiveram-nos em posição de sentido por duas horas. Não sabiam o que mais deveriam fazer. Passavam-nos em revista e conversavam uns com os outros. Por fim, atravessamos os escombros e eles nos alojaram, junto com alguns sul-africanos, em um subúrbio. Todo dia caminhávamos para a cidade e cavávamos os porões e abrigos, para retirar os corpos, como medida sanitária. Quando entrávamos em um abrigo típico, geralmente um porão comum, parecida um bonde cheio de gente que sofrera um ataque cardíaco simultâneo. Pessoas sentadas lá, em suas cadeiras, todas mortas. Uma tempestade de fogo é uma coisa impressionante. Não ocorre na natureza. É alimentada pelos furacões que ocorrem no meio dela, e não fica nada para respirar. Nós levávamos os mortos para fora. Eles eram colocados em vagões e conduzidos aos parques, áreas amplas e abertas na cidade que não estavam lotadas de entulho. Os alemães acenderam piras funerárias para queimar os corpos e evitar que cheirassem mal e espalhassem doenças. Cento e trinta mil corpos estavam escondidos sob a terra. Era como uma terrivelmente complicada procura de ovos de páscoa. Íamos para o trabalho passando por cordões de isolamento de soldados alemães. Os civis não viam o que estávamos fazendo. Depois de alguns dias, a cidade começou a cheirar e uma nova técnica foi inventada. A necessidade é a mãe da invenção. Abríamos caminho para dentro do abrigo, retirávamos os objetos de valor das pessoas, sem tentar fazer identificações, e entregávamos tudo para os guardas. Então, os soldados entravam com um lança-chamas, ficavam junto à porta e cremavam as pessoas lá dentro. Tiravam o ouro e jóias e então queimavam todo mundo.

PERGUNTA: Que cenário para alguém que pensava em se tornar um escritor!

VONNEGUT: Foi uma coisa fantástica de se ver, uma coisa assustadora. Foi um momento de verdade também, porque os civis norte-americanos e as tropas de terra não sabiam que os bombardeiros americanos estavam envolvidos em bombardeio de saturação. Isso foi mantido como segredo até muito perto do fim da guerra. Uma razão para eles terem queimado Dresden é que eles já haviam queimado o resto. Você sabe: “O que vamos fazer esta noite?”. Ali estava todo mundo pronto para agir e a Alemanha ainda lutando, e esse equipamento para queimar cidades estava sendo usado. Isso era um segredo, queimar cidades, urinóis fervendo e carrinhos de bebê em chamas. Houve toda aquela palhaçada sobre a mira de bombardeiro do Norden. Você via um cine-jornal mostrando um bombardeador com um MP de cada lado, segurando um 45 engatilhado. Esse tipo de absurdo e, droga, tudo que eles estavam fazendo era apenas voar sobre cidades, centenas de aviões, e derrubar tudo. Quando fui para a University of Chicago depois da guerra, o sujeito que me entrevistou para admissão havia bombardeado Dresden. Quando chegou essa parte da história da minha vida, ele disse: “Bem, nós detestamos fazer aquilo”. O comentário ficou gravado em minha mente.

PERGUNTA: Uma outra reação seria: “Recebemos ordens para fazer aquilo”.

VONNEGUT: A dele foi mais humana. Acho que ele sentiu que o bombardeio erra necessário, e talvez tivesse sido. Uma coisa que todos aprenderam foi a rapidez com que se pode reconstruir uma cidade. Os engenheiros disseram que levaria quinhentos anos para reconstruir a Alemanha. Na verdade, levou cerda de dezoito semanas.

PERGUNTA: Teve intenção de escrever sobre isso assim que passou pela experiência?

VONNEGUT: Quando a cidade foi demolida, eu não tinha idéia da proporção da coisa… Se aquilo era como Bremen havia ficado, ou Hamburgo,  Coventry… Eu nunca havia estado em Coventry, não tinha nenhum termo de comparação, exceto pelo que havia visto no cinema.  Quando cheguei em casa (eu era um escritor, há havia trabalhado no Cornell Sun, embora toda minha história de guerra também. Todos os meus amigos estavam em casa; eles também haviam tido aventuras fantásticas. Fui ao escritório do jornal, o News de Indianápolis, e tentei descobrir o que eles tinham sobre Dresden. Havia uma notícia de cerca de 1 cm que dizia que nossos aviões haviam passado sobre Dresden, e dois haviam sido perdidos. E então imaginei, bem, este foi mesmo o detalhe mais sem importância na Segunda Guerra Mundial. Outros tinham muito mais para escrever. Lembro que senti inveja de Andy Rooney, que pulou para as páginas impressas naquela ocasião; não o conhecia, mas acho que foi o primeiro cara a publicar sua história de guerra após a guerra; chamava-se Tail gunner. Puxa, nunca tive uma aventura de primeira como aquela. Mas, vez por outra, quando encontrava algum europeu e conversávamos sobre a guerra, e eu dizia que havia estado em Dresden, a pessoa ficava espantada por eu ter estado lá e sempre queria saber mais. Depois foi publicado um livro de David Irving sobre Dresden, dizendo que foi o maior massacre na história européia. Eu disse: Ora essa, vi alguma coisa afinal de contas! Eu tentaria escrever minha história de guerra, quer ela fosse interessante ou não, e tentaria tirar alguma coisa dela. Descrevo um pouco esse processo no começo de Slaughterhouse five; eu via aquilo como se fosse estrelado por John Wayne e Frank Sinatra. Por fim, uma garota chamada Mary O’Hare, mulher de um amigo meu que também havia estado lá, disse: “Vocês eram apenas crianças na época. Não é justo fingir que eram homens como Wayne e Sinatra, e não é justo para com as gerações futuras, porque vão fazer a guerra parecer boa”. Aquela foi uma dica muito importante para mim.

PERGUNTA: Foi como se alterasse todo o enfoque…

VONNEGUT: Ela me libertou para escrever sobre as crianças que éramos de fato: dezessete, dezoito, dezenove, vinte, vinte e um. Tínhamos caras de bebês e, como prisioneiro de guerra, não acho que tivesse de fazer a barba com muita freqüência. Não me lembro de que esse tenha sido um problema.

PERGUNTA: Mais uma pergunta sobre a guerra: ainda pensa no bombardeio de Dresden?

VONNEGUT: Escrevi um livro sobre isso, chamado Slaughterhouse five. O livro ainda está à venda nas livrarias e, de vez em quando, tenho que fazer algo em relação a ele, como homem de negócios. Marcel Ophuls me pediu para participar  de seu filme, A memory of justice. Ele queria que eu falasse sobre Dresden como uma atrocidade. Eu lhe disse para falar com meu amigo Bernard V. O’Hare, marido de Mary; o que ele fez. O’Hare foi meu companheiro, como batedor de batalhão e depois como prisioneiro de guerra. Hoje é advogado na Pensilvânia.

PERGUNTA: Por que você não quis dar seu testemunho?

VONNEGUT: Eu tinha um nome alemão. Não queria discutir com pessoas que achavam que Dresden devia mesmo ter sido bombardeada daquele jeito. Tudo que disse em meu livro foi que Dresden, queira ou não, foi bombardeada daquele jeito.

PERGUNTA: Foi o maior massacre na história européia?

VONNEGUT: Foi a matança mais rápida de um grande número de pessoas; cento e trinta e cinco mil pessoas em questão de horas. Havia esquemas mais lentos de matança, é claro.

PERGUNTA: Os campos da morte.

VONNEGUT: Sim, nos quais milhões acabaram por ser mortos. Muitas pessoas vêem o massacre de Dresden como correto e uma vingança até pequena perto do que havia sido feito nos campos de concentração. Talvez sim. Como digo, nunca discuto esse ponto. Assinalo de passagem, porém, que a pena de morte foi aplicada a absolutamente qualquer pessoa que por acaso estivesse na cidade desprotegida: bebês, velhos, os animais do zoológico e milhares e milhares de nazistas fanáticos, é claro, e, entre outros, meu melhor amigo Bernard V. O’Hare e eu. Por uma questão de direito, O’Hare e eu deveríamos ter feito parte da lista de mortos. Quanto mais corpos, mais correta a vingança.

PERGUNTA: A Franklin Library está publicando uma edição de luxo de Slaughterhouse five, creio eu.

VONNEGUT: Sim. Pediram-me para escrever uma nova introdução para o livro.

PERGUNTA: Teve algumas novas idéias?

VONNEGUT: Disse que apenas uma pessoa em todo o planeta beneficiou-se com o ataque, o qual deve ter custado dezenas de milhões de dólares. O ataque não encurtou a guerra nem em meio segundo, não enfraqueceu a defesa ou o ataque alemão em qualquer parte, não libertou uma única pessoa de um campo de extermínio. Apenas uma pessoa lucrou com isso. Não duas ou cinco ou dez. Apenas uma.

PERGUNTA: E quem foi essa pessoa?

VONNEGUT: Eu. Ganhei três dólares por cada pessoa morta. Imagine só.

(...)

Excerto de entrevista de David Hayman, David Michaelis, George Plimpton, Richard Rhodes para a revista The Paris Review, nº 69. Tradução de Marcos Maffei para o livro «Os Escritores 2 - As Históricas Entrevistas da Paris Review» (fonte) (original integral)