Filosofia: Você é extremamente sensível em como a Arquitetura influencia a vida das pessoas. O que achou de São Paulo com exemplo de catástrofe urbana?
Alain de Botton: Confesso que, apesar de ter adorado minha estada na cidade e muitas das pessoas que conheci lá, São Paulo é lamentável como amostra de planejamento urbano. O problema é tanto o layout das ruas quanto as formas, cor e distribuição dos edifícios. Tudo isso é, em última instância, um problema político: o Brasil tem alguns dos melhores urbanistas e arquitetos do mundo. Eles precisam simplesmente que lhes deem liberdade e poder para fazer seu trabalho.
Filosofia: Pelas suas entrevistas aqui no Brasil, você parece ter gostado mais do Rio e de Porto Alegre. O que estas cidades têm que falta a São Paulo?
Alain de Botton: O Rio é mais imediatamente sedutor: a presença do mar e das montanhas cria um pano de fundo extraordinariamente dramático. Mas levaria muito tempo para que eu realmente entendesse ambas as cidades e apreciasse suas qualidades. O problema com turistas são as opiniões instantâneas, às quais um escritor tem de resistir.
Filosofia: Parece que seu programa de TV sobre Arquitetura está, de alguma forma, levando uma mensagem elitista. Você defende com todas as forças um tipo de estética que tem a ver com modernidade e mostra exemplos de uma "boa Arquitetura" exemplificada, em sua maioria, com casas ricas, enquanto os "maus exemplos" são as casas pastiche de classe média. Como personalizar a casa de 7 bilhões de pessoas nesse sentido moderno? Você não concorda que a Arquitetura tem também o propósito velado de distinção entre os gostos de acordo com a posição social?
Alain de Botton: A boa Arquitetura é extremamente elitista. Mas não é um elitismo de dinheiro, classe ou educação. É um elitismo de bom design. Alguns dos edifícios mais bonitos do mundo custaram muito pouco para serem construídos. Alguns dos edifícios mais revoltantes são profundamente caros. O que, em última instância, produz a boa Arquitetura é o bom pensamento.
O problema com o mundo moderno é que concreto, aço e elevadores baratos significaram que construtoras podem pôr em pé muito rapidamente um edifício que irá arruinar um pedaço da natureza por 300 anos. Precisamos desesperadamente de uma população letrada em Arquitetura e políticos que falem palavras simples, mas importantes, como feiura e beleza. Muito do que faz a vida moderna desesperadora é a feiura - e precisamos que este problema seja reconhecido e corrigido.
Filosofia: Você tenta modernizar as questões da Filosofia Clássica, como felicidade ou amor, dando-lhes uma abordagem mais próxima da vida atual. No entanto, você parece raramente tocar em questões que são uma vanguarda tecnológica e que estão comandando e mudando nossas vidas, como a Robótica, Biotecnologia ou Cyberespaço. Você tem planos de entrar nesses temas?
Alain de Botton: Eu discuto muito sobre o futuro. Sou muito interessado em para onde vamos como espécie. Eu somente não foco na Robótica como a rota da mudança. Como pensador humanista, estou menos interessado em como a tecnologia pode nos mudar e mais interessado nos valores e orientações sociais. No fim das contas, eu acredito sinceramente que nossas máquinas refletem nossas prioridades; não que elas criem as prioridades. Logo, a tarefa é examinar os valores antes de examinar a Robótica.
Filosofia: Alguns de seus críticos dizem que você cria manuais práticos a partir do pensamento dos filósofos e que, fazendo isso, incorre em dois problemas principais: 1. Seu enquadramento dos pensamentos desses filósofos encontra uma sabedoria prática do dia a dia onde não há; 2. Existe uma descontextualização e deformação dos trabalhos daqueles pensadores. Além disso, sua crítica mais comum é a de que você diz o óbvio de uma forma pomposa. Como você costuma responder a estas afirmações?
Alain de Botton: A tarefa de se entender um pensador "em seu contexto" é uma das que são feitas de forma bela pelas universidades modernas. Há milhares de acadêmicos por todo o mundo não fazendo nada além disso. Há muito menos, portanto, pessoas que se atrevem a perguntar "como esta ideia pode nos ajudar hoje?". Este é meu projeto, e penso ser válido (mesmo que eu não o faça tão bem). Penso também que é completamente legítimo deformar pensadores com o objetivo de extrair algo interessante deles.
Então, por exemplo, se eu ignoro dez páginas de Ruskin (John Ruskin, 1819 -1900) para focar em uma que considero fascinante, isto é de certa forma uma "deformação". A real questão a ser perguntada é: para começar, qual é o motivo de se ler Ruskin? De novo, meu ponto de partida é que precisamos ler essas pessoas pelo que elas podem nos dizer hoje, não pelo que eles podem ter dito à sua plateia há 100 anos.
Filosofia: Enquanto você estava em São Paulo, você publicou em seu twitter "Enfrentando uma grande plateia, um profundo desejo de abraçar os inventores de Propanol. Qual sua opinião sobre a crescente medicalização de nosso cotidiano? Chegamos a um ponto onde devemos aceitar que é impossível ser bem-sucedido sem ajuda química? Deveríamos aceitar que a Filosofia não é suficiente no mundo em que vivemos?
Alain de Botton: O ser humano sempre se apoiou sobre ajuda "química". Pense no vinho, no café, na água... Mas também, no sono, nos rituais como orações e nos momentos vazios em monastérios. Não há nada errado em tentar controlar o humor de alguém de qualquer forma que for possível. O que importa é o quão valiosa é a sensação que se tenta criar. O problema das drogas é, portanto, não que elas sejam "drogas", mas que as sensações que criam são, em geral, tão horríveis, irreais, sentimentais, violentas ou excessivamente sexuais. Se amanhã fossem inventadas drogas que nos fizessem parecidos a Proust ou Sócrates, eu não seria contra.
Filosofia: Nietzsche costumava dizer que uma pessoa só pode se chamar de filósofo se tiver desenvolvido todo um sistema de pensamento, como ele mesmo havia feito. Dentro desta condição, você se consideraria um filósofo, um professor de Filosofia ou um transmissor?
Alain de Botton: Eu desenvolvi um sistema de pensamento que abrange desde objetos de Arquitetura, amor, Religião até viagens e economia - portanto, pela descrição de Nietzsche, eu posso me considerar um filósofo.
Filosofia: Como a Escola da Vida funciona? O que é inovador nela?
Alain de Botton: Um dos paradoxos da sociedade de consumo moderna é que enquanto se pode encontrar milhares de negócios estilosos que lhe venderão o café ou a blusa perfeita, infelizmente poucas empresas estão interessadas em oferecer algo que poderia beneficiar sua mente. Um londrino ávido por receber algumas ideias de uma forma atrativa e viva sofre de uma séria escassez de opiniões para trabalhar.
A maior parte da Educação disponível para o público geral acontece em instituições deprimentes, com chão de pedra, sob a proteção de pessoas que nos lembram do porquê de a academia ser também um sinônimo para "distante" e "entediante", e porque nós fomos, provavelmente, um dia, bastante agradecidos por desistir da escola ou da faculdade.
É por isso que eu e alguns amigos nos reunimos para começar um estabelecimento educacional diferenciado há dois anos. Para começar, a Escola da Vida tem uma crença apaixonada em tornar relevante o aprendizado - e assim ministra cursos sobre questões importantes da vida cotidiana. Ao passo que a maioria das universidades enquadra o aprendizado em categorias abstratas ("História agrária", "Novela inglesa do século XVIII"). A Escola da Vida intitula seus cursos de acordo com as coisas que todos nós temos tendência a nos importar: carreiras, relações, políticas, viagens, famílias.
É provável que uma noite ou um final de semana seja usado em um desses cursos na reflexão sobre problemas tais como sua responsabilidade moral para com um ex-parceiro ou como resolver uma crise de carreira. Como a diretora da Escola, Sophie Howarth diz: "Nós o ensinaremos todas as coisas importantes e sensatas que um curso universitário pode oferecer, mas reunimos de forma diferente para que nunca pareça que estão te passando um sermão rígido ou chato. Mostramos a você como Aristóteles ou Platão podem fazer a diferença na sua vida. Claro, estamos adoçando a pílula do conhecimento, mas não é muito melhor do que adoçar a falta de senso?"
É inegável que a Escola da Vida está interessada em adoçar - ou antes, em parecer bem. De suas brochuras estilizadas ao interior lúdico de sua sede em Bloomsbury, você sabe que estar nas mãos de pessoas que pensam que alimentar a mente não deveria ser incompatível com o deleite visual. Mais importante, talvez, o lugar consegue manter o senso de humor sobre si mesmo e sobre todo o negócio da aprendizagem.
A Escola oferece um serviço chamado biblioterapia, baseado na ideia de que a razão real de as pessoas não lerem muito hoje em dia é que há, de longe, muitos livros na praça. Perplexas e confusas com as escolhas, e mentalmente desgastadas pelo mais novo e bombástico vencedor premiado, será mais fácil escolher a TV. Para mudar tudo isso, os biblioterapeutas da Escola da Vida oferecem encontrar-se com você em uma conversa profunda sobre seu caráter e aspirações e então chegar num plano de leitura para o futuro, que termina nos livros que poderiam realmente resgatar seus interesses subjacentes e enriquecer seu modo de olhar para o mundo.
Então, novamente tudo vem com o coração leve. A Escola tem uma divisão oferecendo psicoterapia para indivíduos, casais ou famílias - e o faz de uma forma completamente livre de estigmas. Para os ingleses, geralmente reservados, deve ser uma prioridade ter uma instituição que oferece terapia em uma rua comum e mais, trata a ideia de fazer terapia como não mais ou menos estranha do que cortar o cabelo ou ir a pedicure, e talvez seja um tanto mais útil.
Em uma cultura onde qualquer um que tenta ter uma conversa séria foi alguma vez acusado de pertencer às "chattering classes" (termo inglês usado para se referir à classe média urbana que engendra conversas com certo ar de esnobismo) e onde tudo o que é muito intelectual corre o perigo de ser chamado de pretensioso, deve-se aplaudir um lugar que tenta pôr o aprendizado e as ideias de volta para onde elas deveriam sempre ter ficado - bem no meio de nossas vidas.
Filosofia: Você tem um histórico familiar interessante vindo de uma família judia sefardita, como Edgar Morin, que veio de Alexandria, e como Eric Hobsbawn. Sua família está envolvida com coleções artísticas, bancos e Arquitetura, temas que você parece privilegiar. Seus filhos têm os nomes Saul e Samuel. Mais especificamente, como sua história familiar influenciou o seu trabalho?
Alain de Botton: Existem algumas coisas interessantes no meu histórico familiar: em primeiro lugar, desde muito novo aprendi a falar para uma audiência internacional. Eu falava três línguas fluentemente quando tinha oito anos e circulava entre Suíça e Reino Unido. Eu compreendi as classes e as diferenças sociais cedo. Acredito que isso ajudou meu trabalho cruzar fronteiras.
Minha própria identidade está toda baseada em recusar categorizações e fronteiras; sejam elas de um país ou uma instituição como uma universidade. Além disso, meu passado me deu um amor à Literatura - uma crença de que não há nada mais importante do que bons livros. Não me lembro de uma única parede da minha infância que não tinha livros por todo lado. Isso impressiona uma criança. Ao mesmo tempo, meus pais eram pessoas muito práticas, envolvidos nos negócios do mundo. Então, isso me deu o sentimento de que eu não era simplesmente um intelectual numa torre. Era importante também me misturar, mesclar-me, ser ativo - e tentar mudar as coisas além de meramente livros.
Filosofia: Considerando seu passado em uma família de banqueiros, como você vê a crise econômica que o mundo está vivendo? Como alguém deveria olhar para as incríveis discrepâncias entre ricos e pobres?
Alain de Botton: Eu tenho que te corrigir, já que a única pessoa que já foi banqueiro era meu pai - minha família tem sido tradicionalmente mercadores de algodão e rabinos: uma coisa bastante diferente! Minha sensação obliterante sobre a Economia é uma consciência de que nós simplesmente ainda não entendemos o dinheiro; a Economia está no nível em que a Neurocirurgia estava na Idade Média. Com exceção de que a construímos. Criamos um sistema que não podemos compreender. As respostas tradicionais da esquerda foram desacreditadas - mas elas continuam a ter um apelo emocional para nós: todos, a grande maioria, que estão interessados em justiça e um padrão de vida equitativo a todos.
Filosofia: Em sua série de TV, A Guide to Happiness, você diz: "da próxima vez que você vir uma pessoa dirigindo uma Ferrari, não olhe para ela com desprezo, mas a veja como uma pessoa extremamente frágil". Esta não é uma visão extremamente conservadora, considerando que a concentração de renda é um dos maiores problemas que temos no mundo?
Alain de Botton: É difícil de explicar da forma que você põe - de fato, me faz soar louco. O que eu estava simplesmente tentando indicar, como parte de uma discussão de 300 páginas em um livro, é que o que chamamos de materialismo não é simplesmente baseado em ganância, é também baseado em um desejo, um desejo de alimentação, nutrição emocional. O que dirige o mundo não é um amor ao dinheiro puro e simples. Muito disso é uma busca por status e honra; de fato, esta deve ser a parte dominante de nossas ambições.
Eu descrevi este fenômeno como "ansiedade por status", um termo inventado. A ansiedade por status é uma preocupação sobre sua posição no mundo, se vamos para cima ou para baixo, se vamos ser vencedores ou perdedores. Nos preocupamos sobre nosso status por uma simples razão: a maioria das pessoas tende a ser legal conosco de acordo com a quantidade de status que temos - se ouvem que fomos promovidos, haverá um pouco mais de energia nos sorrisos deles, se somos demitidos, eles fingirão que não nos viram. Por fim, nos preocupamos em não termos nenhum status porque não somos bons em nos mantermos confiantes sobre nós mesmos, se as outras pessoas não parecem gostar de nós ou não nos respeitar muito.
Entrevista de Bruno Tripode Bartaquini para a revista Filosofia em novembro de 2011 (fonte)
Imagem de Russell Shakespeare (fonte)
escritores
filósofos
lusófonos
historiadores
mulheres
músicos
sociólogos
antropólogos
realizadores
professores
psicólogos
poetas
jornalistas
pintores
actores
John Lennon
críticos
teólogos
Agostinho da Silva
Ayn Rand
Christopher Hitchens
David Lynch
Edgar Morin
Federico Fellini
Fernando Savater
Frank Zappa
George Steiner
Hans Kung
Jared Diamond
Kurt Vonnegut
Lévi-Strauss
Raymond Aron
Simone de Beauvoir
Steven Pinker
Woody Allen
arqueólogos
astrónomos
biólogos
economistas
editores
geógrafos
Al Worden
Alain Corbin
Alain de Botton
Alberto Manguel
Aldous Huxley
Alexandre O’Neill
Almada Negreiros
Amartya Sen
Amos Oz
Anselmo Borges
Anthony Giddens
Antonio Tabucchi
Atom Egoyan
Bart Ehrman
Bob Marley
Bruno Latour
Carl Gustav Jung
Carl Sagan
Carlos Drummond de Andrade
Clarice Lispector
Cláudio Torres
Colin Renfrew
Companhia da Palavra
Daniel Dennett
Darcy Ribeiro
Dave Gibbons
David Landes
David Niven
Debbie Harry
Eduardo Galeano
Eduardo Lourenço
Elis Regina
Emil Cioran
Erich Fromm
Evelyn Waugh
Fernando Lopes
Francis Bacon
Francis Fukuyama
François Colbert
François Furet
Geoffrey Miller
Georg Lukács
Gilles Deleuze
Gilles Lipovetsky
Gonçalo M. Tavares
Gunter Grass
Hannah Arendt
Harold Bloom
Henry Rousso
Ian Buruma
Irene Pimentel
Isaac Asimov
J. G. Ballard
J. R. Searle
Jacques Barzun
Jacques Derrida
Jacques Le Goff
James Gandolfini
James Hillman
Jaron Lanier
Jean Genet
Jean-Paul Sartre
John Gray
John Keegan
Joni Mitchell
Jorge Amado
Jorge Lima Barreto
Jorge Luis Borges
Joseph Campbell
José Gil
José Mattoso
João Bénard da Costa
Júlio Resende
Jürgen Habermas
Kwame Anthony Appiah
Laurence Olivier
Laurie Anderson
Lawrence Grossberg
Lester Brown
Lindley Cintra
Luc Ferry
Luiz Pacheco
Manuel António Pina
Manuel Hermínio Monteiro
Marc Augé
Margaret Atwood
Marguerite Duras
Maria Filomena Mónica
Maria José Morgado
Mario Vargas Llosa
Marlon Brando
Marshall McLuhan
Marshall Sahlins
Martin Heidegger
Martin Rees
Michael Schudson
Michel Serres
Milan Kundera
Monteiro Lobato
Muhammad Ali
Orson Welles
Paul McCartney
Paul Ricoeur
Peter Singer
Philip Roth
Pier Paolo Pasolini
Quentin Smith
Ray Bradbury
Raymond Chandler
Renato Russo
René Pélissier
Richard Feynman
Robertson Davies
Roger Chartier
Ronald L. Numbers
Rui Bebiano
Ruth Levitas
Saldanha Sanches
Salvador Dali
Sam Peckinpah
Sebastião Salgado
Sherry Ortner
Stanley Kubrick
Theodor Adorno
Tom Holland
Tony Judt
Truman Capote
Vinícius de Moraes
Vitorino Magalhães Godinho
Vladimir Nabokov
Vítor Silva Tavares
Warren Buffett
William Gibson
Zygmunt Bauman
ambientalistas
astronautas
desportistas
empresários
fotógrafos
físicos
informáticos
jornalismo
juristas
marketing
politólogos
políticos